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Mestre Rogério: a verdadeira luta pela Capoeira e pela cidadania

Fonte: Campos Online – www.camposonline.com.br
Fotos: Julio Souza 
   
Uma noite de carnaval em Lavras, interior de Minas Gerais, trouxe aos ouvidos de Rogério os primeiros sons do batuque e do berimbau e vislumbrou-lhe os olhos com a descoberta dos movimentos da Capoeira. Na semana seguinte, o menino, que viria a se tornar o mestre Rogério, já procurava iniciar-se no estudo e na prática de todo o universo daquela arte-marcial, que também é dança, esporte, folclore e, acima de tudo, uma herança cultural genuinamente brasileira.
 
Daquela noite carnavalesca do final da década de 70 em diante, a história de Mestre Rogério é de dedicação integral à Capoeira e às crianças carentes. Veio para o estado de São Paulo trabalhar e, principalmente, aperfeiçoar seu treinamento e obter sua formação na Capoeira. Chegou em Campos do Jordão em 1989 e, desde então, tem lutado para impulsionar projetos que misturam Capoeira e cidadania, buscando integrar as crianças carentes à vida social por meio do esporte.

Atualmente coordena no Dom Bosco o projeto “Menino que vai ser Mestre”, em que crianças de classe baixa aprendem a arte marcial criada pelo escravos brasileiros. Dentre essas crianças, destaca-se o menino Juan que, mesmo com apenas 5 anos de idade, exerce com disciplina e maestria o estudo da Capoeira. Tem toda a manha e esperteza características da luta, geralmente só encontradas nos adultos. Juan é uma grande prova de que toda batalha do Mestre Rogério não tem sido em vão e que projetos sociais que envolvem o esporte podem acrescentar e muito na vida de meninos pobres.
 
Mestre Rogério está voltando para Lavras, sua terra natal, pois a prefeitura da cidade aprovou um projeto seu – projeto que inúmeras vezes encaminhou à prefeitura de Campos do Jordão e de outras cidades da região e não obteve resposta. Antes de sua volta, Mestre Rogério nos conta um pouco de sua trajetória e de seus planos.
 
Entrevista:
 
C.O.L. – Campos do Jordão é uma cidade que atrai pela beleza, luxo e a fama de seu turismo. Como você conseguiu enxergar através disso a necessidade de um trabalho com a capoeira e com crianças carentes?
 
Mestre Rogério – Eu e meu irmão viemos a Campos do Jordão trabalhar com construção civil, mas sempre voltados a nos graduarmos e desenvolvermos atividades na Capoeira. A intenção não era de ganhar dinheiro, ficar rico, até porque para isso seria preciso uma escola, um grupo de alunos fixo, toda um estrutura que é bem difícil de se conquistar em Campos. O que eu queria na verdade era mostrar a capoeira, para que o pessoal valorizasse cada vez mais e conhecesse o esporte. Então percebi que Campos do Jordão precisava de um trabalho com o esporte, porque é uma cidade que oferece poucas opções para os jovens da cidade em geral e, ainda mais, para os de classe mais baixa.
 
C.O.L.- O que é oferecido pelo ensino da Capoeira, além da prática esportiva?
 
Mestre Rogério – A Capoeira, como as outras artes-marciais, transmite valores. O menino que pratica a capoeira, que a estuda, mesmo que a abandone depois, aprende que pode por meio de seus esforços conquistar muitas coisas, que ele é capaz. Para a Capoeira não pessoas melhores ou piores, ricos ou pobres, todos são iguais. Além disso, não tem como falar da Capoeira, sem falar da história do Brasil, e não tem como falar da história do Brasil sem falar da Capoeira. O capoeirista tem que, antes de tudo, conhecer a história da escravidão, entender o porquê, o surgimento da luta e, consequentemente, tornar-se mais consciente da história do seu país e de sua cultura.
 
C.O.L.- Muitos consideram a Capoeira mais uma dança folclórica do que uma arte-marcial. Você considera isso um preconceito?
 
Mestre Rogério – Quem observa uma roda de capoeiristas, realmente tem a impressão de que é só uma brincadeira e não uma luta. No entanto, a roda é só um momento de descontração, um ritual da capoeira. As pessoas não sabem o treinamento que tem por trás disso, a disciplina. Os negros das senzalas faziam as rodas de Capoeira para enganar os capatazes. Já que não se podia saber que os negros estavam desenvolvendo uma luta própria – sendo negado-lhes a posse da armas ou de qualquer tipo de defesa -, eles desenvolviam a dança, a roda de capoeira, como uma farsa para fazer parecer que aquilo tudo era inofensivo. Só que muitas vezes quando os capatazes perseguiam os negros que fugiam, levavam a pior, pois os golpes da Capoeira era uma defesa eficiente para os escravos.
 
C.O.L.– A partir de 93, você começou a dar aulas de Capoeira e a desenvolver o grupo “I Lá Vou Eu”, onde já passaram mais de 700 alunos. Você considera que as pessoas em Campos do Jordão dão a devida importância ao esporte e à Capoeira?
 
Mestre Rogério – As pessoas ainda não se tocaram que Campos do Jordão é ideal para a prática do esporte. Atletas de nível procuram a cidade para treinar, porque obtendo condicionamento na altitude, eles têm mais resistência em altitudes mais baixas. Mas essa falta de interesse muitas vezes é pela falta de incentivo. Por isso sempre insisto nos projetos. Se a prefeitura tivesse por exemplo um centro esportivo, com monitores competentes, que orientassem a prática do esporte e a Capoeira também poderia estar presente. Dessa maneira, poderiam surgir atletas que elevassem o nome da cidade nacional e internacionalmente.
 
C.O.L.– Você já encaminhou vários projetos à prefeituras e empresas. Como eram esses projetos e que tipo de respostas obtinha ao encaminhá-los?
 
 Mestre Rogério – Os projetos eram levados sempre no intuito de organizar, de criar núcleos de Capoeira e prática esportiva. Tive o projeto de desenvolver os núcleos no bairro, onde as crianças poderiam aprender a capoeira, ter alimentação, vestuário próprio e até mesmo acompanhamento médico e psicológico. Muitas vezes se conhece crianças que não sabem nem onde está o pai. Outras às vezes vão treinar só por causa do lanche. No entanto, as respostas da prefeitura e das empresas era sempre a mesma. Criavam uma ilusão, diziam que iriam ajudar, mas depois diziam que não ia dar. Já cheguei a conversar até mesmo pessoalmente com prefeitos e foi a mesma coisa. Toda vez eu criava esperança de que ia dar certo, porém com um pé atrás. Muitas vezes eu pedi ajuda pouca, lanche para as crianças, camisas e, mesmo assim, acabava tendo que me virar com os amigos e com os pais para arranjar. Atualmente estamos com o projeto “Menino que vai ser mestre”, com o intuito de formar um novo grupo de capoeiristas, no Dom Bosco. Mais uma vez temos que lutar, batalhar para realizar as coisas, porque passa o tempo e nada acontece, nenhuma ajuda vem. Até para a festa de batizado dos alunos, não conseguimos doações. Chega até a ser desumano, muitos prometem que vão ajudar e não ajudam, não têm nem palavra.
 
C.O.L.– Você está voltando agora para Lavras pois lá foi aprovado com o apoio da prefeitura um projeto seu que você já tinha tentado desenvolver em Campos do Jordão, mas não teve apoio. Como é esse projeto? Vai para Lavras decepcionado com a Suiça Brasileira?
 
Mestre Rogério – Lá em Lavras, já existia um projeto da prefeitura de desenvolver o esporte nas escolas e nos núcleos. Então, na verdade, consegui inserir a capoeira dentro desse projeto, que é o que eu sempre quis fazer por aqui. Não digo que estou decepcionado, mas me sinto mal compreendido aqui. Muitas vezes as pessoas vêem as rodas, aplaudem, contudo não precisamos só de aplausos, precisamos de participação. É incrível como ninguém vem procurar saber o meu trabalho. E se eu estivesse traficando drogas para meus alunos? Nem com isso se preocupam. Enquanto estou fazendo um trabalho bom, ninguém dá atenção. Todavia, se eu errar um golpe e machucar um aluno, com certeza vão falar, vão me condenar. Apesar de estar indo para Lavras, vou continuar desenvolvendo projetos aqui. A responsabilidade aumento porque terei que estar lá e aqui quase ao mesmo tempo. Alguns alunos meus que estão formados ou se formando vão me ajudar. Não vou abandonar essa cidade.
 
C.O.L.– Que mensagem você deixa para a juventude jordanense e que perpectivas você enxerga para eles?
 
{mosimage}Mestre Rogério – A mensagem que eu deixo não só para os meus alunos, mas para os jovens em geral é que tenham fé em Deus e lutem sempre. A juventude é uma fase em que se quer liberdade, se os jovens não forem bem orientados, primeiro pela família, e depois pela escola, pelo esporte, fica perigoso. Isso não é só em Campos do Jordão é no mundo. Voce vê muitos jovens se drogando, muitos jovens roubando. Mas eu acho que a saída ainda é a prática esportiva. É uma emergência. Se a gente não parar e dar um rumo para esses jovens, pode ficar muito complicado.
 

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