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A Mercadorização da Capoeira

O crescimento da capoeira a nível mundial tem sido um fenômeno importantíssimo de divulgação e valorização dessa arte-luta que durante muito tempo sofreu uma perseguição implacável no Brasil. Porém essa “globalização” da capoeira traz também conseqüências negativas. O capitalismo sabe muito bem como se apropriar dos bens produzidos pela sociedade – sejam eles materiais ou imateriais – para adequá-los à sua lógica perversa. Percebemos assim, uma tendência que vem crescendo nos últimos anos, de transformação da capoeira em mais uma mercadoria na prateleira dos “shopping centers das culturas globalizadas”. Se por um lado, isso garante a divulgação dessa manifestação para um público cada vez maior, por outro faz com que ela perca muito dos seus traços identitários que a caracterizam como cultura tradicional de resistência.

Muito nos preocupa uma determinada visão sobre capoeira – que predomina atualmente numa parcela muito grande de mestres, professores e alunos – que enfatiza somente os aspectos mercadológicos dessa manifestação, priorizando modismos e uma estética “espetacularizada” e superficial da prática da capoeira, em detrimento de uma visão mais profunda, preocupada com a historicidade, a ancestralidade, os aspectos rituais, a filosofia e os valores implícitos nessa prática, que tornam o praticante de capoeira, um sujeito mais consciente sobre si mesmo, e sobre a sociedade da qual faz parte.

E em nossa opinião, é justamente aí que reside o valor educativo da capoeira. Ela só pode servir como instrumento de educação, se estiver voltada para esses valores mais profundos da existência humana, que a experiência africana no Brasil soube tão bem traduzir. Uma manifestação que foi capaz de resistir a séculos de violência e opressão e soube preservar as formas tradicionais de transmissão dos saberes através da oralidade, do respeito aos mais velhos e aos antepassados, da valorização dos rituais, do respeito ao outro (mesmo sendo ele adversário!), do sentido de solidariedade e da vida em comunidade. Esses valores constituem-se em saberes riquíssimos que estão presentes na capoeira e, que num processo educativo, têm muito a contribuir na formação de sujeitos mais humanizados e conscientes de seu papel na sociedade.

Por outro lado, se a capoeira for vista apenas como uma estratégia de marketing, como prática corporal de modismos feita por corpos musculosos e acrobáticos, dissociada de seus aspectos históricos e culturais, ou como mera mercadoria de consumo, voltada para grandes massas que se satisfazem com práticas superficiais e descompromissadas, ela então deixa de ter esse caráter de prática libertadora e contestadora da ordem social injusta – característica que sempre a acompanhou desde sua origem – para transformar-se em mais uma mera atração do parque de diversões da “feliz” e excludente sociedade de consumo capitalista.

Não podemos deixar que isso aconteça !!!

 

Pedro Abib (Pedrão de João Pequeno) é professor da Universidade Federal da Bahia, músico e capoeirista, formado pelo mestre João Pequeno de Pastinha. Publicou os livros “Capoeira Angola, Cultura Popular e o Jogo dos Saberes na Roda”(2005) e “Mestres e Capoeiras Famosos da Bahia”(2009). Realizou os documentários “O Velho Capoeirista” (1999) e “Memórias do Recôncavo: Besouro e outros Capoeiras” (2008).


Coluna: “Crônicas da Capoeiragem” por Pedro Abib

Mais um envolvente texto da Coluna Crônicas da Capoeiragem, sob a tutela do nosso grande camarada e parceiro, Pedro Abib, enfocando histórias, casos, experiências, opiniões, críticas, enfim, um texto de uma lauda sobre o universo da capoeiragem.

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