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ABCA: ORGANIZA CURSO DE INGLÊS PARA CAPOEIRISTAS

ABCA – Associação Brasileira de Capoeira Angola

O templo sagrado da capoeira angola. É assim que muitos capoeiristas definem a ABCA – Associação Brasileira de Capoeira Angola. Fundada em 1987, em Salvador-BA, a entidade reúne os antigos mestres desta manifestação cultural afro-brasileira, e se tornou uma referência mundial em termos de preservação das tradições ancestrais desta arte-luta.

 

 

“ABCA é a casa que representa a capoeira angola. É um lugar onde o capoeirista tem que se sentir bem, onde podemos discutir, trocar idéias… Um lugar para aprender mais, porque ninguém sabe tudo” afirma Mestre Virgílio, presidente da entidade. Iniciado na capoeira angola na década de 50 por seu pai, o célebre Mestre Espinho Remoso, Virgílio Maximiano Pereira também foi aluno dos mestres Caiçara e Paulo dos Anjos. Viveu intensamente as rodas de rua de seu pai na Jaqueira do Carneiro e dá aulas de capoeira angola há mais de 30 anos na Fazenda Grande do Retiro. Com a humildade que lhe é característica, ele lidera um profundo processo de renovação da instituição, que está reformando seu estatuto social e organizando seu registro para a elaboração de projetos e parcerias de apoio e incentivo aos guardiões da tradição ancestral.

A falta de estrutura em sua sede não desanima seus guardiões, como afirma o tesoureiro, Mestre Pelé do Tonel: “A ABCA representa para nós um precioso conhecimento, uma grande nata de mestres que têm méritos e história pra contar, e para mim é uma riqueza. Depende de nós sabermos valorizar esta casa cheia de ouro que é a capoeira angola”. Iniciado na capoeira em 1960, Samuel Souza foi alunos dos mestres Zé Mário e Caiçara, e acompanhou este durante muitos anos, em seus shows folclóricos. Apresenta um espetáculo com uma técnica única, em que joga capoeira com tonéis, ganhando daí seu apelido.

A gestão atual da ABCA conta também com a participação dos mestres Augusto Januário (Vice-Presidente), Odilon (Diretor Jurídico) e Tonho Matéria (Diretor de Patrimônio e Marketing), além dos capoeiristas Lucia Correia Lima (Diretora de Projetos e Comunicação Social) e Paulo Magalhães (Secretário).

Duas décadas de ginga

Em 3 de julho de 1987, o jornal A Tarde trazia estampada a notícia: “ABCA terá que mostrar sua malícia”. A pequena matéria anunciava os resultados da primeira eleição da entidade, em que venceu a chapa “Evolução” e o Mestre João Pequeno foi eleito Presidente, Paulo dos Anjos Vice, Mário Bom Cabrito Tesoureiro, Nô Diretor Técnico e Renê Diretor Social. Mestre Canjiquinha, malandro, rouba a cena e aparece na foto, que deveria ser de João Pequeno. (Durante boa parte da década de 80, a coluna Capoeira trazia semanalmente anúncios de rodas e eventos, além de debater polêmicas da capoeiragem. Nos anos 2000, em que a capoeira é considerada patrimônio cultural, percebe-se um retrocesso em termos de divulgação cotidiana na imprensa local).

“Vivíamos um momento inédito, de discutir e organizar os capoeiristas angoleiros de forma legal, perante os órgãos públicos. Além disso, depois de cada reunião havia uma roda, momento único de troca em que podíamos beber da fonte de sabedoria que são os antigos mestres”, conta Mestre Renê. Nascido em Teodoro Sampaio, Renê Bittencourt foi iniciado na capoeiragem por Mestre Canjiquinha, e dirige atualmente a ACANNE – Associação de Capoeira Angola Navio Negreiro.

Depois de Mestre João Pequeno, a ABCA teve os mestres Moraes, Barba Branca e Curió em sua presidência. Em 1996 foi criado o Conselho de Mestres, instância máxima da entidade, formado por mestres angoleiros com mais de 50 anos. Mestre Gildo Alfinete e Mestre Bola Sete foram presidentes do Conselho, cargo ocupado hoje por Mestre Nô.

As reuniões, na época da fundação, aconteciam no Forte Santo Antônio, no Centro Esportivo de Capoeira Angola – Academia de João Pequeno de Pastinha. Com o tempo, as reuniões passaram a ser no Instituto Mauá, funcionando depois em uma casa cedida na Rua do Passo. Com a ajuda do IPAC, a ABCA passou a utilizar um casarão na Rua Gregório de Matos nº 38, no coração do Pelourinho, em frente ao Teatro Miguel Santana (onde funciona o Balé Afro) e o Afoxé Filhos de Ghandy.

“Nossa casa é pobre de dinheiro, mas rica de sabedoria. É o templo sagrado da capoeira angola. Recebemos a Rainha da Dinamarca, o Príncipe de Gales e o Presidente de Guiné-Bissau, além de participar dos 500 anos do Brasil e criar a Roda da Paz. A ABCA hoje é reconhecida internacionalmente” comenta Mestre Gildo Alfinete, membro do Conselho de Mestres. Discípulo de Mestre Pastinha, com quem se iniciou na Capoeira Angola em 1959, Gildo Lemos Couto possui o maior acervo existente sobre Mestre Pastinha e o Centro Esportivo de Capoeira Angola.

Na loja da ABCA, capoeiristas do mundo inteiro podem encontrar berimbaus, pandeiros, atabaques, agogôs, camisas, livros, revistas e vídeos sobre capoeira. “A lojinha existe há muitos anos, passam dezenas de pessoas do mundo todo, todos os dias”, comenta Mestre Neco, responsável pelas vendas. Membro do Conselho Fiscal, Manoel Marcelo dos Santos foi iniciado na capoeira por Mestre Canjiquinha, em 1959, no Taboão, e dá aulas há 38 anos no Colégio Góes Calmon, em Brotas.

Todas as sextas-feiras, às 19:30, acontece a roda da ABCA, aberta a todos os capoeiristas que estejam abertos à sua forma tradicional, conduzida pelos antigos mestres com o rigor e respeito próprios desta manifestação ancestral.

Faculdade de Capoeira Angola

“Quando criamos a ABCA, meu objetivo era fazer com que esta entidade se transformasse em uma faculdade de capoeira angola, já que a Bahia é uma universidade cultural e esta casa reúne a nata da velha guarda dos angoleiros. Este objetivo ainda não foi cumprido e permanece de pé”, afirma Mestre Nô, Presidente do Conselho de Mestres. Iniciado na capoeiragem por seu avô Olegário, em 1949, na ilha de Itaparica, Norival Moreira de Oliveira foi alunos dos mestres Nilton, Pirrô e Zeca do Uruguai. Zeca, primo dos mestres Cobrinha Verde e Gato Preto, foi quem ensinou Mestre Canjiquinha a tocar berimbau.

Com a criação das leis 10.639/03 e 11.645, multiplicam-se os cursos de história e cultura afro-brasileira. Muitos temem, entretanto, que a transmissão destes saberes seja monopolizada por representantes autorizados das instituições acadêmicas, excluindo os legítimos guardiões da tradição oral.

Em 17 de julho de 1987, no texto “A questão da saúde na Capoeira Angola”, do jornal A Tarde, os angoleiros denunciavam: “Alguns ‘capoeiristas universitários’ de classe média branca, estão levantando a lebre sobre a ‘necessidade’ do mestre e do contramestre de Capoeira terem noções de Anatomia e Medicina para poderem dar aulas a iniciantes”. Uma semana antes, na mesma coluna que anunciava a criação da ABCA, uma denúncia: “qualquer exigência de diploma para ensino de capoeira é, antes de mais nada, uma atitude racista, e, como tal, tem que ser severamente combatida”.

Como se vê, este debate não é novo, e já preocupava os velhos mestres há vinte anos atrás. O projeto de lei que restringe o ensino de capoeira, yoga e danças folclóricas aos graduados em educação física ainda tramita no congresso, e a temática afro-brasileira está sendo dada em sala de aula por professores que conhecem superficialmente a cultura, por vezes reproduzindo preconceitos e perpetuando estereótipos. Mestre Nô protesta: “um professor de educação física jamais vai ter condições de ensinar a cultura popular da capoeira, ele pode ensinar uma coisa maquiada, mas jamais a capoeira em sua essência. Apenas os mestres e seus discípulos mais graduados têm esse conhecimento”.

Aposentadoria a passos de tartaruga

Uma questão diretamente relacionada à ocupação destes espaços profissionais e de poder é o projeto de aposentadoria para os antigos mestres. Muitos deles são reverenciados mas têm dificuldades concretas de sobrevivência no dia a dia, como Mestre Pastinha já alertava em 1980, seu penúltimo ano de vida: “A capoeira de nada precisa, quem precisa sou eu”. Ao receber uma homenagem na Câmara Municipal de Salvador, pelos seus 50 anos de capoeira, Mestre Virgílio desabafou: “Homenagens são boas, mas passam. Eu preciso hoje é de uma aposentadoria honesta pra levar o resto de minha vida”. Mestre Brandão, do Conselho de Mestres da ABCA, complementa: “Todo mundo tem que unir e procurar trazer um beneficio pros capoeiristas mais velhos, que depois de toda uma vida não podem mais jogar. Eu jogo capoeira há 58 anos”.

Pernambuco foi o primeiro estado brasileiro a gratificar representantes da cultura popular e tradicional com uma pensão mensal vitalícia. A Lei do Registro do Patrimônio Vivo, de 2002, já contemplou cerca de 20 mestres e grupos culturais populares, com bolsas que variam entre R$750 e R$1.500. Estados como Alagoas e Ceará têm programas semelhantes, enquanto o Governo Federal concedeu apenas um número reduzido de Bolsas de Incentivo Griô, de R$380, por um tempo determinado. A ABCA está atuando na proposição de um projeto que crie lei semelhante na Bahia, a fim de amparar antigos mestres da capoeira e de outras manifestações culturais populares.

“Os grandes mestres, como Bimba, Pastinha, Valdemar, se acabaram na maior lástima. O que se vende da Bahia é a capoeira e o candomblé, mas cadê os poderes públicos que não apóiam, não ajudam? É um descaso com os mestres antigos”, protesta Mestre Boca Rica, Vice-Presidente do Conselho de Mestres. Nascido em Maragogipe, Manoel Silva veio pra Salvador aos 15 anos e ingressou na Academia de Mestre Pastinha, acompanhando-o até sua derradeira hora. Com vários CDs gravados, depois de percorrer diversos países, ele questiona:”O que é que eu tenho? Nome! Mas cadê a aposentadoria para os antigos mestres que diz que vai sair, vai sair e nunca sai?”.

Outro projeto que está sendo pautado pela ABCA é o que articula a assistência médica e reabilitação física para os antigos mestres, a fim de permitir que estes recuperem sua plena saúde para a prática regular da capoeiragem.

Fundamentos

Mestre Nô também destaca a perspectiva de abrir cursos para jovens mestres e capoeiristas de outros estados, uma espécie de “pós graduação” com a velha guarda da capoeira angola da Bahia. “Vejo com muita tristeza o comportamento de alguns capoeiristas de hoje, e tenho medo de que percamos a essência maior que são os fundamentos da capoeira angola”, desabafa.

Em relação ao atual momento da entidade, Mestre Pelé do Tonel comenta: “estamos precisando de uma união limpa de amigos, sem maldades, dar a mão um ao outro como uma corrente e jogar o barco pra frente”. Mestre Zé do Lenço, membro do Conselho Fiscal, complementa: “não adianta camarada ficar de fora e não vir pra roda, todos têm que se unir e vir prestigiar essa casa, que precisa do nosso apoio”. Nascido em Abaíra, José Alves foi iniciado na capoeiragem em 1962 pelo Mestre Espinho Remoso, na Jaqueira do Carneiro, e tem sua academia na Sete Portas.

Para as novas gerações, Mestre Boca Rica relembra: “Mestre Pastinha falava: Eu sei que vou morrer, mas quero ver a capoeira no lugar dela, no teatro, na televisão, no cinema, na escola, na universidade… Aí eu falava comigo: será que esse velho tá ficando maluco? E não deu outra, a capoeira veio crescendo, hoje tá em mais de 200 países pelo mundo afora. Nós já estamos descendo a ladeira e são vocês que têm que levar essa capoeira de angola pra frente, não deixar ela morrer, se acabar”.

Mestre Nô também deixa um recado: “Não tenham pressa em se formar, tenham pressa em se informar, porque a pressa é inimiga da perfeição. Muitos que chegam ao grau de ensinar abandonam os treinamentos da academia do mestre, achando que já sabem. Tenham humildade e procurem sempre aprender “.

 

Paulo Andrade Magalhães Filho é jornalista, membro da ACESA e Secretário da ABCA

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