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Capoeira de luto pelo Mestre Negrito

Morreu no último sábado, 04 de julho, em acidente na estrada que liga Sete Lagoas a Fortuna de Minas, Márcio Antônio Fernandes, 47 anos, mais conhecido como Negrito. Deixou um legado que nem mesmo a morte pode apagar. Sua história de vida se tornou um grande exemplo a todos aqueles que conviveram com o capoeirista e tiveram o privilégio de conhecê-lo bem. Durante quase trinta anos, Mestre Negrito vivenciou a capoeira como poucos e transmitiu a verdadeira essência da arte àqueles que encontravam-se ao seu redor.

Segundo a terminologia, Mestre é todo o indivíduo que adquire um conhecimento especializado sobre determinada área do conhecimento humano. Apesar do título, poucas pessoas conseguem extrapolar o real sentido do termo. Dentre os raros exemplos, podemos citar o caso de Márcio Antônio Fernandes, 47 anos, mais conhecido como Mestre Negrito. Falecido no último sábado, 04 de julho, em um acidente na estrada que liga Sete Lagoas à Fortuna de Minas, Negrito deixou um legado que nem mesmo a morte pode apagar. Sua história de vida se tornou um grande exemplo a todos aqueles que conviveram com o capoeirista e tiveram o privilégio de conhecê-lo bem. Durante quase trinta anos, Mestre Negrito vivenciou a capoeira como poucos e transmitiu a verdadeira essência da arte àqueles que encontravam-se ao seu redor.

A capoeira entrou em sua vida no início dos anos 80, quando Negrito começou a aprender a arte na Escola Berimbau de Ouro, época em que a academia foi fundada pelo Mestre Marreta. Em 1989, o dedicado aluno se formou, recebendo o título de professor. De lá para cá, Negrito começou a ministrar aulas em diversas entidades locais. Vários jovens aprenderam mais do que passos da capoeira com Mestre Negrito, aprenderam, acima de tudo, exemplos de conduta e formação ética. E não foram poucas as pessoas que participaram de suas aulas. Alunos dos Colégios Caetano, Dom Silvério, Cenecista e SERPAF (Serviço de Proteção ao Menor e à Família), além de jovens do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), SESI (Serviço Social da Indústria) e de diversos outros núcleos, como os das cidades de Papagaio, Pompéu, Três Marias, Fortuna de Minas, Cachoeira da Prata, dentre outras, também cresceram ouvindo as lições de Negrito.

Em 1996, Mestre Negrito estabeleceu uma parceria com o SESC (Serviço Social do Comércio) e iniciou suas aulas no local. Nessa época, Negrito fundou a Escola de Capoeira Grupo Ogum. Claudete Simone Guimarães, diretora da entidade, lembra que Negrito ajudou a divulgar e desmistificar a arte da capoeira na cidade. Para ela, antes de qualquer coisa, Negrito era um legítimo educador, que deixou lições de humildade e coragem. “O Negrito tinha um laço de amizade muito forte com seus alunos. Meus três filhos tiveram aulas de capoeira com ele e aprenderam muito no período. A preocupação com os jovens também continuava após o período de aula. Além disso, sua coragem é um grande exemplo a todos. Ele enfrentou todas as dificuldades por amor à capoeira e nos deixou uma lição a ser seguida. Hoje, há uma lacuna, pois, além de ótimo profissional, Negrito era um grande amigo de todas as horas”, afirma Simone.

Negrito sempre dizia: “Capoeira não é somente jogar as pernas para o ar. Para ser um grande capoeirista é preciso conhecer a abrangência de representações que o termo envolve, como a arte, a dança, casos do maculelê e samba de roda, o folclore e seus personagens e a união entre povos que a arte da capoeira causou”. Mestre Negrito também era contra qualquer forma de violência, fosse ela verbal, física ou comportamental. “A luta está presente na capoeira e fez parte do processo de libertação dos negros, entretanto, o respeito pelo outro é importante e sempre deve prevalecer à violência”, afirmava o Mestre. Suas lições atraíam pessoas de todas as idades, credos e classes sociais. O conhecimento de Mestre Negrito era transmitido a gerações diferentes de muitas famílias. Os pais, ex-alunos do professor, levavam os filhos para as aulas de capoeira com o Mestre. Negrito também gostava de pagode, samba de roda, maculelê e dos aulões e rodas de capoeira que participava. Ele, inclusive, era conhecido por alguns como Negritinho do repilique, por ser um dos exímios tocadores do instrumento. Negrito também tinha grande facilidade de tocar atabaque, pandeiro e berimbau. O conhecimento foi passado aos alunos.

Durante toda a sua vida, o professor foi conhecido por sua educação, paciência e tranqüilidade. Ele valorizava muito a família e fazia questão de ajudar a todos. Negrito sempre foi um grande exemplo para os familiares. Para ele, a família ia muito além dos laços de sangue. “O que mais chamava a atenção dos alunos era a forma como ele conduzia seu trabalho. Ele dizia que nós éramos uma família. Sempre que chegava um novo aluno, Negrito dizia: ‘você está entrando para uma família de capoeiristas’. Em suas aulas, Mestre Negrito trabalhava com a verdadeira essência da capoeira, enquanto arte, folclore, dança, luta, jogo, terapia, união, força. Seu objetivo maior era formar cidadãos”, afirma Luís Carlos da Costa, conhecido como Sombra, ex-aluno e amigo de Negrito.

Para André Luís Gomes da Silva, o Cascudo, ex-aluno de Mestre Negrito, a convivência com Negrito ajudou a superar uma fase conturbada da vida. “Ele me ajudou muito durante a adolescência, sempre ensinando o que era correto. Mestre Negrito era como um segundo pai para mim. Além do respeito que tínhamos por ele como professor, como mestre, também tínhamos o respeito pelo amigo, porque éramos muito unidos”, afirma Cascudo. Segundo alunos, durante as aulas do Mestre Negrito a seriedade e disciplina devia prevalecer. Porém, ao fim dos encontros, Negrito era um homem expansivo e brincalhão. Seu grande carisma contagiava a todos. Para Luciano Fernandes Pereira, o Lobo, Mestre Negrito deu um verdadeiro exemplo de amor à profissão. “Negrito era um educador através da capoeira. Ele dizia que não devíamos levar a vida para a capoeira, mas a capoeira para a nossa vida. Ele sempre fez questão de desenvolver um trabalho bem feito, tanto que dedicou sua vida à capoeira. Ele viveu da arte e abriu mão de desempenhar funções em outros segmentos. Tudo para realizar um serviço de boa qualidade”, afirma o amigo e ex-aluno.

As lições do professor ultrapassaram fronteiras e foram transmitidas a pessoas de diversos países, como França, Dinamarca, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, dentre outros. “O Mestre Negrito deixou uma legião de fãs, não só em Sete Lagoas , mas em diversas regiões do estado e em outros países. Ele foi uma pessoa que vivenciou a capoeira de uma maneira diferente. Talvez, Negrito seja o único capoeirista da cidade que teve amizade e influência nos mais variados grupos de Sete Lagoas, desde a época da capoeira de rua até hoje (época das academias). Ele é um dos poucos que passou por essas etapas sendo respeitado por todos, desde os mais velhos até os mais novos”, afirma o amigo Sombra.

Apesar do fim prematuro, Mestre Negrito deixa uma vasta herança cultural. Negrito foi um agente que transmitiu e divulgou como poucos as diversas formas de representação dos afro descendentes no país. Talvez, sua história esteja associada ao orixá que deu nome ao grupo de capoeira fundado por ele. Ogum, o orixá ferreiro na mitologia yorubá, forjava suas próprias ferramentas e foi considerado o primeiro dos orixás a descer do Orun (o céu) para o Aiye (a Terra). Acredita-se que ele tenha wo ile sun, que significa “afundar na terra e não morrer”. No caso do Mestre Negrito não foi diferente. Ele forjou suas armas para lutar pelos excluídos e por aquilo que mais amava, a capoeira, e deixou um legado cravado no coração dos que viveram à sua volta, como uma chama que jamais há de se apagar. Quem sabe, por um capricho, Olorun, o Deus supremo, estivesse procurando um guerreiro de verdade em Aiye (Terra), para compensar a falta que Ogum fazia em seu Orun (céu). Neste caso, Olorun escolheu o homem certo.

Paulo Henrique de Souza
Paulinho do Boi

Falar do Mestre Negrito é fácil devido sua fantástica obra, difícil é explicar sua partida prematura. Ao longo de nossa convivência vimos que o exercício de seu professorado, na arte da capoeira, trazia para os alunos um estreitamento de sabedoria paterna aliado à convivência respeitosa colocada pela sutileza de seus exemplos. Assim, a condução de suas ações o fazia mestre em todos os sentidos. As atitudes em prol do outro edificava e ainda edifica, em nossa alma, uma obra inesquecível e inimaginável a serviço do bem. Só quem experimentou esse espaço pequeno da vida do Mestre Negrito, sabe que o exercício do amor exigente foi a condução de sua filosofia de vida. Para nós, colegas de causa, colegas de trabalho, amigos de ações, alunos e professores fica a responsabilidade de continuar sua obra nos corações de todos que pudermos contagiar com a filosofia que ele plantou em nossos espíritos. A grande obra do Mestre Negrito foi, sem dúvida, a obra que ele construiu em nossas mentes. Sete Lagoas perdeu um heroi que agia em silêncio em prol de uma justiça social perfeita.

Missa de 7º Dia
Dia: Sexta-feira, 10 de julho
Local: Igreja de Santa Luzia e Igreja de Nossa Senhora das Graças
Horário: 19h

Dante Xavier
Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Sete Lagoas

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