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A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL

:: A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL (13/05/1888) ::

História – Professor Luizão

Hoje estamos comemorando os 117 anos de abolição no Brasil.
Automaticamente associamos “abolição” ao momento em que os escravos no Brasil conquistaram a sua liberdade.
Até que ponto essa idéia pode ser verdadeira?
Se considerarmos o termo “liberdade” como uma expressão que designa meramente igualdade jurídica entre todos os cidadãos, de fato a escravidão acabou em 13 de maio de 1888. Se entendermos, no entanto, “liberdade” no sentido de igualdade de oportunidades e tratamento, então a abolição ainda não aconteceu.

Deixando de lado aspectos meramente semânticos, o que devemos questionar é o seguinte: como aconteceu a abolição no Brasil? Que interesses estavam envolvidos? E, acima de tudo, quais foram os resultados dessa nossa abolição?

Tentarei responder essas perguntas de forma breve.

A abolição da escravidão no Brasil foi o resultado de um longo processo, iniciado no início do século XIX. Nessa época, o país mais rico e importante do mundo era a Inglaterra. A Inglaterra tinha indústrias bastante desenvolvidas e procurava expandir cada vez mais sua influência em todo mundo, aumentando o seu comércio. Dessa forma, os ingleses se empenhavam em acabar com a escravidão no mundo, por entenderem-na inviável economicamente.

Se a Inglaterra queria aumentar seu comércio, não era interessante que os países tivessem escravos, pois os escravos não recebiam salários e não podiam comprar produtos. Além disso, um país que tem escravos, poderia produzir com menores custos, tornando-se concorrente da Inglaterra (que usava a mão-de-obra assalariada).

Assim, os ingleses fizeram de tudo para acabar com a escravidão. Nesse sentido, a Inglaterra criou em 1845 uma lei chamada Bill Aberdeen. Essa lei autorizava os navios ingleses a prender qualquer navio que estivesse transportando escravos, em qualquer parte. Muitos navios negreiros foram apreendidos pela Inglaterra, inclusive alguns que tinham o Brasil como destino. Nosso país, naturalmente, foi atingido, pois possuía um enorme número de escravos e não tinha a intenção de acabar com esse tipo de trabalho (é sempre bom lembrar que o Brasil foi o último país da América a acabar com a escravidão).

Percebendo que não tinha forças para impedir a ação dos ingleses, em 1850, o Brasil proibiu definitivamente o tráfico de escravos africanos. Essa lei se chamou lei Eusébio de Queirós.

“Dom Pedro por graça de Deus, e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos súditos, que a Assembléia Geral decretou e Nós queremos a Lei seguinte:
Art. 1º As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela Lei de 07.11.1831, ou havendo-se desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades, ou pelos navios de guerra brasileiros, e consideradas em tentativa de importação de escravos.”
Isso não quer dizer que a escravidão havia acabado. Novos escravos não chegariam mais. Como a vida útil de um escravo dificilmente ultrapassava os 10 anos, fatalmente a escravidão estava condenada. O que surgiu no Brasil foi o comércio interprovincial de escravos, ou seja, os escravos eram vendidos de uma região para a outra do país. Como o número de escravos diminuía com a alta mortalidade de cativos, seu preço disparou.

“Atenção: Precisa-se de uma ama-de-leite na rua da Boa Vista nº 34. Paga-se bem, porém, deseja-se que o leite seja novo.”

(A Província de São Paulo, 09/01/1876)

“Vende-se uma boa escrava de 18 a 19 anos, de préstimo, boa muito costureira, lavadeira, engomadeira, faz vestidos de senhoras, e camisas de homem, cozinha sofrivelmente, é de muito boa conduta, é finalmente para todo o serviço de uma casa. Para tratar na rua do Carmo, nº 14.”

(Correio Paulistano, 23/02/1855)

“Vende-se uma bonita escrava que cozinha o trivial, lava, engoma, costura perfeitamente, sendo muito carinhosa para criança, é excelente para uma família, visto que sabe tomar conta de uma casa.
Não tem moléstia nem vício de qualidade alguma.
Para tratar na Rua da Imperatriz, nº 22 e 24.”

(Correio Paulistano, 10/02/1870)

“EXCELLENTE ESCRAVO

Vende-se um creoulo de 22 annos, sem vício e muito fiel: bom e aceado cozinheiro, copeiro, balieiro. Faz todo o serviço de arranjo de casa com prestreza, e é o melhor trabalhador de roça que se pode desejar; humilde, obediente e bonita figura. Para tratar na ladeira de S. Francisco nº 4”

(Província de São Paulo, 19/02/1878)

Bom, já dava para perceber que o fim da escravidão certamente aconteceria. Acontece que o governo brasileiro contava com o apoio dos fazendeiros (especialmente cafeicultores do RJ) que usavam muito o trabalho escravo. Era preciso tratar a questão abolicionista com todo o cuidado, isto é, da maneira mais lenta possível.

Convém salientar que nem todos no Brasil eram favoráveis à escravidão: alguns setores representativos da sociedade brasileira começaram a lutar contra a sua permanência, como os novos cafeicultores do oeste paulista (que usavam o trabalho do imigrante nas lavouras), o exército (que concedeu liberdade aos negros sobreviventes da Guerra do Paraguai) e setores urbanos e intelectuais da sociedade conscientes do atraso representado pelo regime escravocrata no Brasil, em relação aos países europeus.

Para acalmar os ânimos desses setores e da Inglaterra, sem ferir os interesses dos fazendeiros escravistas, o governo optou pela saída política, isto é, concederia a abolição, porém de forma lenta e gradual, para dar tempo aos fazendeiros habituarem-se com o fim da escravidão e para explorar ao máximo os escravos que ainda restavam.

Assim, começou a ser concebida uma série de leis, que, analisadas apenas superficialmente, parecem até razoáveis. Examinemos um trecho da primeira delas, a Lei do Ventre Livre, de 1871:

LEI DO VENTRE LIVRE
“A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade, o Imperador Sr. Dom Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral Decretou e ela Sancionou a Lei seguinte:

Art. 1º Os filhos da mulher escrava, que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre.

Par 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de 8 anos completos.

Chegando o filho da escrava a esta idade o senhor da mãe terá a opção ou de receber do Estado a indenização de 600$000 réis ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos.

No primeiro caso o Governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei.”

Uma leitura menos atenta nos levaria a pensar o seguinte: “Puxa, que bom! A partir de 1871 as crianças já não seriam mais escravas… Pelo menos elas estariam afastadas de tanto sofrimento.”. Nem tudo era tão belo quanto parecia…
Sugiro nova leitura do final do texto da lei. E agora? A lei continua parecendo boa?

Na verdade, o filho do escravo continuaria em poder do “dono” de sua mãe até os 8 anos. Na prática, ele também seria escravo até essa idade, no mínimo. Depois disso, o “dono” desse ex-escravo ainda poderia escolher entre uma indenização do governo (passando a criança aos cuidados das autoridades) ou que a criança trabalhasse gratuitamente como sua propriedade até completar 21 anos. Ora, que estranha “verdade” essa não? Inexiste registro de proprietário que tenha optado pela indenização do governo. Portanto, essa lei era uma farsa pois o jovem continuava sendo escravo até os 21 anos.

Alguns morriam antes disso… Surpreendente a lógica de nossa elite dirigente! Por que os fazendeiros mereceriam “indenização”? Explorar por mais de 300 anos os negros já não seria suficiente? Na prática, essa lei não fez muita diferença para os escravos. O sofrimento continuaria por mais algum tempo.

A Lei do Ventre Livre tinha um efeito prático bastante limitado. Em 1885 o Império Brasileiro concebeu mais uma “brilhante” idéia e criou a Lei Saraiva-Cotegipe, também conhecida como Lei dos Sexagenários. Observemos um trecho da mesma:

“Dom Pedro II, por graça de Deus e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos súditos que a Assembléia Geral Decretou e Nós Queremos a Lei seguinte: (…)
Art 3º
Par. 10. São libertos os escravos de 60 anos de idade, completos antes e depois da data em que entrar em execução esta Lei; ficando, porém, obrigados, a título de indenização pela sua alforria, a prestar serviço a seus ex-senhores pelo espaço de três anos.”

Seria até cômica a situação, se não fosse trágica (aliás, essa lei ficou conhecida na época como a lei da gargalhada nacional, tal o absurdo de seu conteúdo…). Em primeiro lugar, quantos escravos conseguiam agüentar vivos até os 60 anos? Suponhamos que uma meia dúzia de escravos fosse forte o suficiente para resistir. Depois disso, o escravo deveria trabalhar gratuitamente por mais 3 anos para “indenizar” os seus donos. Indenizar de quê?
Da chibata que desgastou nas suas costas?

Digamos que, mesmo assim, algum escravo conseguisse suportar tudo isso. Estaria livre?

Quem iria dar emprego para um velho, negro e analfabeto? Ele estava livre, mas livre para morrer de fome. Grande negócio para os fazendeiros, que se livravam de uma boca para alimentar já não tão “rentável”.

De outra parte, os grupos engajados na causa abolicionista no país perceberam rapidamente a fragilidade dessas leis e protestaram cada vez mais para que se concretizasse a abolição.

O número de escravos que fugia das fazendas crescia de forma assustadora para os fazendeiros. O Exército, por sua vez, recusava-se a prestar serviços de “capitão-do-mato” para recuperar esses escravos. Grupos mais radicais empenhavam-se até mesmo em incentivar revoltas e fugas de escravos (os chamados CAIFAZES). Sem forças para manter a escravidão, finalmente, em 13 de maio de 1888, é editada a Lei Áurea, que acabou definitivamente com a escravidão no Brasil. Vejamos abaixo o texto da lei:

“A Princesa Imperial, Regente em Nome de Sua Majestade Imperador Senhor Dom Pedro II, Faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral Decretou e Ela sancionou a Lei seguinte:

Art. 1º É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.

Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.

Manda portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e excução da referida Lei pertencer; que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como ela se contém. O Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e Interino dos Negócios Estrangeiros Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Majestade o Imperador a faça imprimir, publicar e correr.

Dado no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de Maio de 1888, 67º da Independência e do Império. PRINCESA IMPERIAL REGENTE.”

A Lei Áurea também merece alguns comentários ou questionamentos.
Para onde iriam os ex-escravos? A maioria deles abandonou o campo e dirigiu-se às cidades pois o campo lembrava a opressão e a chibata. Nas cidades, eles não tinham onde morar e amontoaram-se nas periferias, cortiços e/ou favelas.

Que tipo de emprego eles conseguiriam? Sendo analfabetos e sofrendo discriminação permanente, viviam de trabalhos braçais, mal remunerados ou insalubres, biscates, prostituição ou ainda dedicavam-se à mendicância ou tornavam-se marginais, praticando furtos.

Finalmente, coloco a grande questão para reflexão: basta apenas uma lei para por fim na escravidão no país? Será que essa lei poderia dar resultados, visto que não foram oferecidos os meios para que os negros se desenvolvessem em sua plenitude?
De que adianta a liberdade, se as oportunidades não foram as mesmas para negros e brancos?

O Brasil conviveu por mais de 300 anos com a escravidão. A abolição ocorreu há 117 anos. Será que a situação atual dos negros no Brasil não tem nenhuma relação com esse passado?

Axé !!!!

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