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A saga do Negro Capoeira

Interlúdio de alguns capítulos para contar a saga do negro capoeira conhecido como King Kong
Crônica escrita por Mestre Tonho Matéria, onde o autor conta parte de sua própria história
 
Roberto? E quem disse que ele não era mole?
 
Um menino cheio de energia que fazia nas ruas do seu bairro um centro de vandalismo, uma espécie de membro da Nagoas que como um ser malta desequilibrava a esperança de paz dos seus vizinhos.
 
Carrasco lembra bem, certo dia quando encontrou pela primeira vez com ele na Praça da Sé sentado num dos bancos que ficava ali esperando alguém para o ócio, matutando algo que iria de uma forma não tão suntuosa, provocar um ato de alvoroço. Vestido com um macacão azul onde tinha o emblema do Liceu Arte e Ofício, que era o colégio onde estudava, isso era o que naquele momento demonstrava o nagoa. Sua mãe, dona Elza, uma negra descendente de africana legítima, ou seja, uma original filha de Luanda, não escondia o amor por ele, e nem conseguia dormir direito, porque seu quase primogênito não tinha horas para chegar a casa, vivia o tempo inteiro no meio das ruas, muitas vezes pongando em ônibus, o que chamamos de surfista de asfalto, desafiando a lei da sua própria gravidade.
 
Seu pai um quase Manuel Querino e sábio do seu povo onde, com gratidão, levava a vida inteira contando causos do tempo dos seus ancestrais. Ele era um homem de caráter forte e de sinceridade à flor da pele, conhecido como Mané do Burro, um mercador ambulante que vivia de calçadão em calçadão vendendo seus limões para levar pra dentro de casa o édulo que com muito esforço, e merecimento, era conseguido,  transformado-o em satisfação. Seus irmãos, dois descendentes também quase legítimos de Angolano, conhecidos como Barata e Negrura, eram os mais centrados de todos. Barata vivia falando consigo mesmo e não gostava muito de prosa. Já Negrura, por ser o mais velho dos três, tinha uma maneira diferente de se comportar com as pessoas. Ele andava jogando dama na porta do armazém de Branco, e assim levava sua calma vida de um rapaz que compreendia a vida que tinha.
 
Já seu irmão casula não, ele era um terror e não conseguia um minuto se quer deixar os vizinhos em paz. Muitas vezes foi preso pela guarda do bairro por estar fazendo baderna, e isso, simplesmente, por jogar pedra ao telhado do vizinho ou por procurar intrigas com quem passava quieto.
 
Ouve uma ocasião em que ele ficou de plantão na porta do mercadinho de Louro a espera de Panela, um garoto boxeador que morava na rua de baixo, conhecida como Rua das Pedreiras, por cisma. Só que teve um dia que ele se deu de mal com Panela, levando alguns cruzados no rosto, acompanhados de diretos e ganchos. E com isso levou-se anos e anos pra ser desmistificado esse rancor. Eles cresceram, se tornaram adultos, e não conseguiam se separar da infância. O menino era assim mesmo, um valente guerreiro que não sabia o que o destino estava protocolando para a sua vida.
 
Quando já trabalhando na Limpurb (Empresa de Limpeza Publica Urbana), continuava a cometer os mesmos atos de antes, era um erê com sua brasilerança de truculentos modos de agitar. Certa feita conseguiu escapulir da garupa do caminhão onde pegava os lixos que as donas de casa deixavam na porta, se ralando todo, tendo vários ferimentos em toda parte do corpo, e mesmo assim não aprendeu. A sorte dele foi que naquela época a empresa obrigava os seus funcionários a usarem um macacão cor de abóbora, com uma faixa em forma de um xis incandescente, para avisar aos motoristas que havia perigo, ou seja, homens trabalhando para limpar a cidade e ao mesmo tempo correndo risco de vida pendurado no que chamamos de "carro de lixo". Mas pra ele isso não importava muito e não tinha um valor se quer, não pensava muito em constituir família e nem tinha medo da morte tanto que fazia da sua vida um coquetel de riscos. Acredita-se que o mais importante disso tudo foi o que estava por vir, e nem ele mesmo teria noção disso.
 
O mais engraçado de tudo é a maneira como ele é, até hoje, conhecido e chamado no bairro por "Nenenquinha". E não perguntem qual a origem da palavra que ninguém saberá explicar. Talvez seja por conta de suas pelas travessuras, ou se, quando ainda era bebê, fosse a alcunha gerada por sua mãe por chamá-lo de Neném e os vizinhos de Quinha e daí surgiu Nenenquinha, uma junção de dois nomes carinhosos. Isso é uma hipótese! Na verdade o segredo do nome foi com dona Elza para o jardim dos espíritos de luz e lá ficou para sempre.
 
Voltando a falar de sua mãe, Elza foi uma verdadeira dona de casa que tinha em sua particularidade o segredo e sagrado dom de proteger. Proteção essa que virava noites e mais noites sentada na porta da casa esperando o último dos três filhos entrar e se deitar. Era uma pessoa maravilhosamente meiga e cheia de vigor. Não poupava uma bacia de roupa suja, ela lavava de ganho e mesmo aparentando seus 60 anos, que mais parecia uns 30 de tanta energia que esbanjava, não conseguia ser uma mãe descontente dos seus atos de ser sempre uma mãe exemplar. Brigava com qualquer um por causa dos seus bambinos, e não dispensava uma surra neles também. Na verdade todo povo de Ogum é assim mesmo, bastante guerreiro e imbatível.
 
Varias e varias vezes dona Edith ficava batendo papo até altas horas fazendo companhia a mãe Elza, como era chamada pelos meninos. Coitada, morreu cedo demais para uma mulher que era tão forte espiritualmente. Mais é isso mesmo, é o caminho de todos os negros que ainda vivem num quilombo sem ter certeza que a vida pode mudar a sorte de ser um doutor, o que na verdade aconteceu com seu tão protegido e amado filho.
 
Recordaremos um episodio que acontecera na Cidade Nova, quando um bloco de percussão passava arrastando o povão era uma zona danada, e ao mesmo tempo gostoso de ver o SPP passar tocando suas batucadas. Quando de repente, quem estava batendo nas pessoas? Ele, o próprio Roberto Nenenquinha, o temido pelas pessoas da área. O que tinha de bom era que ele nunca precisou usar armas para se defender, ele tinha já os punhos preparados para seus ataques sombrios. Mais com sempre terminava apanhando também ou indo preso.
 
Nenenquinha teve uma infância normal como qualquer criança do gueto tem. Foi vendedor de picolé e carregador de compra, e um dia tivera um sonho que iria modificar a sua vida. Aos pouco foi se descobrindo como negro e sabia que tinha uma razão mais profunda para se concretizar no universo, e ai conheceu uma dança que era uma mistura de luta que se espojava pelo chão e quem fosse de verdade o babalaô dessa dança não se sujava. Tomou gosto e mergulhou de vez e até hoje não conseguiu voltar do fundo do oceano dessa dança.
 
Que magia tem essa dança que não deixa ninguém viver sem falar nela? Principalmente quem a conhece e lhe tem como um guia protetor. Será que há magia e mistérios guardados com seus criadores que eles não conseguiram contar porque não tiveram tempo de achar um indivíduo capacitado de adquiri-la? Ou será que Deus colocou nas mãos do dona da estrada e mandou que ele se virasse sozinho por ai para sair emergindo de dentro de si essa dança num formato de dois corpos dentro de uma roda viva para dar significado ao mundo? Fica aqui essa interrogação.
 

É verdade! Lá pelos vindos de 1964 épocas que fervia a ditadura, estava nascendo um menino que talvez não soubesse que iria modificar o destino da sua família. Nasceu dentro de um mocambo no quilombo do Pau Miúdo um dos bairros de Salvador, a sagrada capital da Bahia.
 
Foi ali que cresceu Antonio, nome dado por sua mãe para pagar a uma promessa que tinha feito a São Lazaro. Assim, com a vida cheia de rampas e arestas vivia o menino que ainda garoto teve seu primeiro contato com a capoeira através do LP do mestre Suassuna e Dirceu. Foi quando num certo dia dois de seus amigos o convidou para jogar capoeira e ai não deu outra, ele caiu de boca como se estivesse lambendo uma tigela de mel e não parou mais.
 
Antonio começou a praticar capoeira em 1976 e daí por diante começou a ganhar corpo com a sua arte, estudando e trabalhando, coisa que começou ainda com seus oito anos de idade com sua mãe vendendo acarajé pra garantir o sustento da família. Teve uma formação de rua bastante aguçada e se manteve ávido com tudo que aprendia porque sabia que um dia iria usá-la.
 
Ganhou um apelido "Pele de Onça" (por causa de uma calça que ele usava toda vez que ia pras festas de largo jogar), e que não ficou marcado na sua vida porque quando já estava fazendo shows com a capoeira (shows folclóricos com o grupo Ogun Katendê), ele ao mesmo tempo conheceu a música o que mais tarde de fato iria fazer desse menino um grande astro da música popular baiana brasileira. Ficando conhecido como Tonho Matéria.
 
Foi assim que ele começou a ganhar notoriedade na sua cidade. Através da capoeira construiu seu destino e hoje vive embalando a vida das pessoas com sua música elétrica-embolgante e não há quem não o conheça no Brasil como capoeirista e artista.
 
Em 1984 começou a cantar nos blocos afros de Salvador (Olodum, Ara Ketu, Ébano, Ilê Aiyê, Muzenza, Amantes do Reggae, Afreketê e outos mais), ganhando vários títulos nos festivais. Foi também Campeão Baiano de Capoeira em dupla em 1985 no Ginásio Antonio Balbino pelo Instituto Baiano de Medicina Desportiva.
 
Antonio Carlos Gomes Conceição, filho de Agripino Gomes da Conceição e Eufrosina Maria dos Santos e pai de Allan Bacelar Conceição 20 anos e Raysson de apenas 7 meses.
 
Viu que sentia necessidade de aprender a arte com auxilio de um Mestre, então procurou o Mestre King Kong para treinar, e daí por diante não parou mais. King Kong viajou para a Alemanha e ele não ficou parado, procurou a academia do Mestre Geni Capoeira do Grupo Zambiacongo e foi treinar com o Mestre Roberto ( Macaco ) hoje ele mora na Austrália. Treinou com macaco uns seis meses, com ele aprendeu a seqüência de Bimba e o esquenta " banho foi um período bom para o desenvolvimento do menino que sonhava tanto em ser capoeirista.
 
Roberto (King Kong) retornara a Salvador daí então foram 25 anos treinando juntos. Ele também foi o primeiro aluno de King Kong e também o primeiro artista capoeirista a levar a capoeira para os palcos quando ainda estava cantando com o Ara Ketu num dos shows na Goiana Francesa.
 
Tonho é Formado em contabilidade, e estudante de Publicidade e Propaganda da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) e é hoje uns dos mais respeitado compositor, cantor e capoeirista do Brasil.
 
Com mais de 300 músicas gravadas por grandes intérpretes da música popular baiana brasileira como: Leci Brandão, Jair Rodrigues, Harmonia do Samba, Daniela Mercuri, Ara Ketu, Olodum, É o Tchan, Bete Carvalho, Chiclete com Banana, Asa de Águia, Terra Samba e muitos outros. Tonho gravou seu primeiro disco solo em 1989 logo que saiu do Olodum. Virou sucesso em todo país com seu segundo disco Tá na Cara com a musica Melô do Tchaco. Ai não parou mais de produzir, fez ao todo 7 CDs, formou o grupo de pagode Coisa de Bamba, fez um disco de capoeira A Força de Zumbi ( Grupo Bahia Capoeira ) do seu Mestre, com suas músicas que são cantadas nas rodas desde que começou a jogar, foi capa da Revista Praticando Capoeira Ano I Nº 07 e teve a Capa do CD e a letra da música Vamos Capoeirá publicados na edição Ano I Nº 13, Participou do Grupo Vamos Capoeirá em 1987 com Contra- Mestre Edmilson, Contra Mestre Vando, Mestre King Kong (Bahia Capoeira), Mestre Benevaldo (Barro Vermelho), Mestre Raimundo (Kilombolas), Contra Mestre Bira e Mestre Dedé (Kilombolas), Reinaldo (Terra Samba e Porto da Barra), Mestre Dendê (Mus-e e Oficina da Capoeira), Participou de um vídeo sobre Mestre João Pequeno a convite do Mestre Barba Branca.
 
Fez um clip no Pelourinho Cantando "Desejo Egotismo" com a participação Especial de Paulinho Camafeu, Mestre Bamba com a Associação de Capoeira Mestre Bimba e Mestre Vermelho. Já jogou com vários Mestres de Capoeira Regional em diversas rodas como: Marcos Alabama, Bamba, Dinho, Dedé, Touro, Mica, Carlinhos, Zé Doró, Urso Branco, China, Curió, Cesar Di Alabama, Macaco, Boa Gente (Meu Padrinho De Batismo), Geni, Macaco Branco, Americano, Di Mola, Boi Manso, Gajé, João De Barro, Jorge Satelite, Ezequiel, Brandão, Virgílio, Um Por Um, Miguel, Buguelo, Ferrerinha, Daltro, Reginaldo, Lazinho, Queixada, dentre outros.
 
Na Angola com: os Mestres João Pequeno, Barba Branca, Nô, Cobrinha, Moraes, Roberval, Caiçara, Paulo Dos Anjos, Bom Cabrito, Pelé, Renê, Bujarão, Curió Preto. dentre outos.
 
Ganhou vários prêmios importantes com suas músicas a exemplo de: Premio Imprensa 1989 melhor música e melhor compositor do ano, Premio Troféu Caimmy 1988 / 89 compositor mais gravado do ano, Premio Sharp 1991 melhor música do ano categoria samba concorrendo com Paulinho da Viola e Martinho da Vila, Premio Troféu Bahia Folia 1990 (Desejo Egotismo) Música mais cantada nos carnavais, Premio Troféu Exclusiva melhor destaque do ano 1990, Premio Troféu Bahia Folia 1994 melhor destaque do ano, Premio qualidade do Brasil 1998 / 99 / 2000, Premio Troféu Jorge Amado 2002 melhor puxador de trio. Foi capa de varias revistas musicais e de capoeira, participou do Festival de Montreux na Suíça e agora acaba de assinar um contrato de 5 anos com o Olodum.
 
Tonho desenvolve um trabalho social com a capoeira no Bairro aonde nasceu e foi criado, pra mais de 400 crianças, adolescentes e adultos com a sua Associação Cultural de Capoeira Mangangá e pensa em construir a casa da capoeira. Está terminando de escrever um livro de capoeira, um de poesia afro e um de poemas.
 
Também é diretor da LIBAC Liga Baiana de Capoeira, Vice Diretor da LCLF Liga de Capoeira de Lauro de Freitas e produtor de eventos da Secretária de cultura e lazer da cidade de Lauro de Freitas Junto com os Mestres Reginaldo (Associação de Capoeira Toques de Berimbaus) e Boca (Associação de Capoeira Alegria do Mestre Canjiquinha) é também Presidente da Fundação Mangangá ( em andamento ).
 
ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE CAPOEIRA MANGANGÁ
 
A Associação Cultural de Capoeira Mangangá, foi fundada em 10 de Novembro de 2001 pelo Mestre Tonho Matéria a fim de preservar ainda mais a cultura e a arte de lutar que é a capoeira.
 
A função e idealização desta associação são de assegurar com eficiência a postura desta arte que tanto nos emociona. Com 250 crianças e 150 adolescentes a associação adotou como lema a seguinte ordem: só pratica capoeira quem estiver indo bem nos estudos, em casa e nas ruas. No entanto, a associação trabalha com meninos que não tem família e com os que têm, mais não podem pagar uma academia. Além disso, no projeto da fundação Tonho Matéria, é desenvolvido cursos de percussão, dança afro e dança de rua, maculelê, puxada de rede oficina de instrumentos como: berimbau, pandeiro e caxixi e varias palestras sobre a prostituição infantil, conhecimentos gerais sobre a cultura negra, sexualidade e drogas.
 
A Mangangá procura divulgar também o nome de uma das lendas da capoeira baiana – brasileira que com suas histórias nos fortalecem e nos orgulham.
 
Manoel Henrique Pereira, filho de João Grosso e Maria Harifa, aprendeu o oficio da capoeira com o mestre Alípio na rua do Trapiche de Baixo, em Santo Amaro da Purificação. e no dia do batizado recebeu o apelido de Besouro Mangangá por causa da flexibilidade e facilidade de desaparecer quando era necessário, e torno-se o maior "mito" da capoeira.
 
Mestre Tonho Matéria ensina capoeira sem fins lucrativos, mais com um propósito filantrópico de resgate a auto estima das crianças e de dá-lhe um horizonte de informações e procura também ofertar alimentos, roupas, dança música. Enfim tudo que venha a ajudar a comunidade do bairro do Pau Miúdo, dentre outros.
 
Foi assim que Antonio construiu a sua vida, sendo um capoeirista que aos poucos foi ganhando corpo, principalmente quando notou que matéria é tudo que tem massa e ocupa lugar no espaço, com certeza ele conseguiu com muita resistência, insistência e existência o seu devido glorioso lugar, nesse espaço que o deus da música concebeu.
 
Hoje um homem quarentão, mais com sagacidade e veracidade para começar de novo se preciso for. Um negro Malê, um João de Deus que ainda percorre os becos do preconceito para clamar por liberdade, igualdade e fraternidade.
Iê camará!!!!
 
Salve a capoeira.

{mosimage}Tonho Matéria é mestre de Capoeira, compositor, cantor, produtor cultural e artista popular da Bahia. Escreve para revistas especializadas em Capoeira e é colunista do Jornal do CAPOEIRA (www.capoeira.jex.com.br)

 
Mestre Tonho Matéria
 
[email protected]
[email protected]
 
contato: 00 55 71- 9919-7093 " 386-1288 " 386-5518
 

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