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Reflexão: A Capoeira no Estado de Santa Catarina

 

Mestre Kadu, que sempre vem colaborando e participandocom o Portal Capoeira de forma a somar para toda a comunidade capoeiristica, nos envia uma importante reflexão sobre a capoeiragem em Santa Catarina.
Mestre Kadu, em parceria com Mestre Gavião e todo pessoal do Portal Capoeira RS – Região Sul tem sido ao longo destes anos importantes fontes de informação e dissiminação da nosso arte e agora vem se juntar a Equipe de colaboradores do Portal Capoeira. Seja bem vindo meu amigo!

Luciano Milani

 

Reflexão: A Capoeira no Estado de Santa Catarina

Antes de começar, gostaria de deixar muito claro que o que irei contar não existe a intenção de generalizar grupos, pessoas e Capoeiras. Também gostaria de esclarecer que aqui conheci e (re)conheço grandes Capoeiras que me ensinam até hoje sobre esta cultura e sobre a arte de aprender ensinando, portanto em nenhum momento tenho a intenção de diminuir ou menosprezar a Capoeira de Santa Catarina e muito menos dar a entender que minha chegada aqui modificou ou engrandeceu a boa Capoeira que aqui encontrei. O que posso afirmar é que tive e tenho tentado colaborar para que a Capoeira de Santa Catarina seja reconhecida à altura de suas grandes capacidades e pela boa representação nativa que nela vive.

É realmente complexo escrever alguma coisa sobre a Capoeira na Região Sul. Apesar de ser natural de Porto Alegre, um pouco depois de meu nascimento fui para o Rio de Janeiro, onde permaneci até os 08 anos, quando me mudei para Brasília. Morei na Capital Federal até 1994 e daí me fixei em Florianópolis, onde vivo até hoje e com a graça de Deus viverei até o fim dos meus dias. Portanto, é complicado comentar uma história em que não vivenciei todos os fatos desde sua origem. O que posso dizer é que quando cheguei aqui em Florianópolis, em 1994, encontrei uma Capoeira diferente daquela que eu conhecia, não só na sua organização, mas em suas definições, Angola, Regional e Contemporânea.

Sabemos que distante dos grandes centros de difusão da Capoeira, as vertentes sofrem influência não só da cultura local, mas também da visão de cada representante destas vertentes. O que quero dizer é que dentro de uma linhagem, as diferenciações surgem por diversas razões. O aprendizado em escolas diferentes, as informações e influências externas, a falta de orientação e acompanhamento que sustentariam essa filosofia, a adequação ao que possa lhe parecer atual ou inovador, etc. Por estes e outros conceitos pode ocorrer o distanciamento em relação aos fundamentos mais relevantes da Capoeira.

A princípio alguns me viram como um intruso, outros como mais um detentor de informações distorcidas de seus fundamentos e outros mais, como portador de novas informações da Capoeira atualmente jogada e globalizada, pois muitos tinham concepção de que a Capoeira jogada no Sudeste e no Nordeste do Brasil, seria a mais atualizada, globalizada e mais fiel aos fundamentos e as vertentes a que pertenciam, o que, diga-se de passagem, muitas vezes é um enorme engano, pois os problemas que aconteciam por aqui, muitas vezes se reproduziam por lá também.

Aqui conheci alguns grupos que se diziam angoleiros realizando batizados e usando cordas, outros que se diziam regionais jogando os toques de angola e usando aquela formação de bateria como também muitos de seus fundamentos e grupos contemporâneos usando graduações e filosofias sem uma clara e definida fundamentação.

Alguns líderes acreditavam e pregavam aos seus, que pessoas como eu, eram capoeiristas “de fora”, e desta forma intrusos que queriam descaracterizar e corromper a Capoeira “pura” que eles trabalhavam. Certamente eles não se lembravam que Santa Catarina não é a Bahia, o Rio de janeiro e muito menos o Recife e que qualquer Capoeira aqui ensinada vinha de fora e, portanto, o que estava acontecendo era apenas uma conseqüência dos tempos.

Após uns dez anos de trabalho com a Capoeira aqui em Florianópolis e já inserido neste meio, eu e outros líderes de grandes grupos daqui, passamos a sentir a necessidade de contribuir com mudanças no cenário da Capoeira de Santa Catarina, quanto ao respeito entre os pares, suas filosofias e seus trabalhos, a tolerância ao diferente. Decidimos então formar e fortalecer uma comunidade de Capoeira, pois havia em todos os grupos o discurso da inclusão social de seus seguidores, sem ao menos nós mesmos sermos incluídos socialmente e nem formarmos uma representatividade consistente como comunidade ou representantes de uma arte, o que incomodava a esses líderes.

Pela iniciativa do Mestre Pop, pioneiro em Santa Catarina, alguns líderes fomos convidados em 2003 para uma reunião, de onde se seguiram outras mais que deram conseqüência ao 1º Congresso Catarinense de Capoeira, de onde surge a delegação de Santa Catarina que participaria do 1º Congresso Brasileiro de Capoeira, em São Paulo.

Durante o retorno da viagem e pelo sucesso de nossa construção conjunta, surge entre alguns líderes a vontade de se criar uma entidade que pudesse representar e trabalhar pela Capoeira do Estado em todos os segmentos e que defendesse uma única bandeira, a da Capoeira. Nasce então, a Confraria Catarinense de Capoeira (Triplo C), e é dessa experiência agora que passo a contar pra vocês, por acreditar que este foi um marco na história da Capoeira Catarinense.

Logo após a realização do II Congresso Nacional de Capoeira, em 2003, no Rio de Janeiro, os representantes catarinenses presentes naquele evento formalizaram uma comissão que desse prosseguimento às discussões e análises sobre as principais questões que envolvem a Capoeira na atualidade e desencadearam um amplo processo de debates e eventos para todos os capoeiras.

Durante todo o ano de 2004 e 2005 esses capoeiristas de diversos grupos continuaram se organizando e realizando atividades vinculadas à Capoeira. Inicialmente esse coletivo se auto-intitulou como Cooperativa Catarinense de Capoeira.

Em 2006, diante da necessidade de se oficializar essa entidade, para dar maior visibilidade à organização e também facilitar a captação de recursos, a opção de cooperativa foi descartada, pois se mostrava inviável para atender aos objetivos da organização e, então, surgiu no interior do coletivo, a proposta de institucionalização por intermédio de uma confraria.

No dia 13 de maio de 2006 foi realizada a Assembléia de Fundação da Confraria Catarinense de Capoeira e no dia 07 de junho do mesmo ano ela foi registrada oficialmente no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ).

Desde a sua concepção, a Confraria Catarinense de Capoeira, também chamada de TRIPLO-C, vem trabalhando organicamente para contribuir com o desenvolvimento da Capoeira no Estado de Santa Catarina e no Brasil. Dele fazem parte diversas lideranças de vários grupos de Capoeira, juntamente com estudiosos e alunos interessados, bem como outros participantes eventuais.

A Confraria Catarinense de Capoeira (TRIPLO-C) tem estatuto que expressa os princípios defendidos pelos seus criadores. Os cargos de direção são eletivos a cada dois anos, podendo ter apenas uma recondução. Os membros da Direção dispõem de uma lista de discussão para a realização de comunicações ágeis, nem sempre possíveis diante das inúmeras demandas.

Os integrantes desta Confraria procuram ampliar o entendimento sobre a Capoeira objetivando o seu pleno e democrático desenvolvimento. Sua metodologia de trabalho utiliza o conceito de rede e tem as seguintes características:

– não possui hierarquia, não tem chefe, mas tem várias lideranças, sendo estas provenientes de diferentes âmbitos;

– não tem centro, ou melhor, cada integrante do mesmo é um centro em potencial;

– se desdobra em múltiplos níveis ou segmentos autônomos capazes de operar independentemente, mas que compartilham assuntos e experiências de interesse comum;

– é dinâmica, fluída e se alicerça pela vontade e dedicação dos seus integrantes;

– se organiza de forma igualitária e democrática, em torno de objetivos comuns;

– é autônoma e mantém sua independência em relação aos grupos, da mesma forma que não interfere na autonomia dos grupos aos quais seus participantes também lideram ou integram.

Esta Confraria está sempre aberta à entrada de novos membros que aceitem as regras de intercomunicação estabelecidas, ainda que as mesmas possam e devam ser revistas de acordo com a demanda ou a circunstância. O auto-desligamento de qualquer de seus membros não constitui problema, pois no âmbito da Confraria é assegurada a plena liberdade de opção de cada um.

A Confraria Catarinense de Capoeira se materializa da seguinte forma:

· Ninguém é obrigado a entrar ou permanecer e ninguém é subordinado de ninguém;

· Os valores, as angústias, as expectativas, as frustrações, as decisões são fraternalmente compartilhados, problematizados e acolhidos;

· É a cooperação entre os seus integrantes que a faz funcionar;

· A informação circula livremente, emitida de pontos diversos e encaminhada de maneira não linear a uma infinidade de outros pontos, que também são emissores de informação. Seus integrantes se reúnem periodicamente em locais previamente agendados e com pauta previamente decidida.

Por fim, a participação, a conectividade, a multiliderança, a descentralização, o dinamismo, os múltiplos níveis de abordagem, o respeito, a tolerância e a camaradagem são princípios defendidos e colocados em prática pela Confraria Catarinense de Capoeira.

Dentre as ações pontuais já desenvolvidas pela Confraria, destacamos:

1. Elaboração da avaliação do I Congresso Nacional de Capoeira, realizado nos dias 15, 16 e 17 de agosto de 2003, em São Paulo, divulgada pela internet e encaminhada a expressivo número de capoeiras do Estado de Santa Catarina;

2. I Encontro Catarinense de Capoeira com palestras e debates, realizado no dia 04 de outubro de 2003, em Brusque-SC;

3. Oficina de movimentos e golpes de Capoeira que contou com a participação de cerca de 40 (quarenta) professores de Capoeira do Estado de Santa Catarina.

4. II Encontro Catarinense de Capoeira com palestras e debates, realizado no dia 06 de novembro de 2004 na Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC;

5. Participação no II Congresso Brasileiro de Capoeira realizado no Rio de Janeiro em novembro de 2004;

6. ACAMPOEIRAMENTO – realizado no mês de outubro de 2005, em Brusque.

7. FESTIVAL CATARINENSE DE CANTIGAS DE CAPOEIRA – realizado no dia 14 de Outubro de 2005, no Acampoeiramento, em Brusque.

Dentre as ações permanentes da Confraria, temos:

GINGA MENINA: Evento planejado e realizado exclusivamente por mulheres praticantes de Capoeira no Estado de Santa Catarina. O I Ginga-Menina aconteceu em Brusque em 2004.

VENHA VER CATARINA – Evento de periodicidade bienal, planejado e coordenado exclusivamente por mulheres praticantes de Capoeira, mas que permite a participação dos homens nas atividades. O I VENHA VER CATARINA aconteceu em Florianópolis no dia 02 de Novembro de 2006.

ENINCA (Encontro Infantil de Capoeira): Evento de periodicidade anual, destinado exclusivamente ao público infantil e infanto-juvenil, dos 04 aos 15 anos: O I ENINCA aconteceu em maio de 2003, na Universidade Federal de Santa Catarina e o II ENINCA aconteceu no dia 14 de maio de 2005, na Escola Técnica Federal de Santa Catarina (CEFET).

ZUMBALAEKÁ – Festa de celebração e confraternização dos diversos grupos de Capoeira e cultura popular do Estado de Santa Catarina, realizada periodicamente com exibições de artistas populares e expressiva participação de público. Já aconteceram três edições do Zumbalaeká.

PAPOEIRA – Atividade de formação desenvolvida bimestralmente em forma de seminário temático em que integrantes da Confraria, ou convidados, discorrem sobre determinada temática que é discutida pelos presentes em forma de questionamentos e críticas. Já aconteceram cerca de 30 (trinta) papoeiras.

ESCAMBO DE CAPOEIRA – Evento periódico de trocas de experiências e artefatos de Capoeira com um festival pedagógico no encerramento.

MOSAICO INTEGRADO DE CAPOEIRA – (MIC) Evento que promove a integração de diversos grupos de Capoeira da cidade, mobilizando expressivo número de praticantes de Capoeira, contribuindo para a democratização das relações entre grupos e abrindo possibilidades para novas formas de integração cultural e organizacional da Capoeira. São desenvolvidas oficinas, rodas de confraternização, Cerimônia de Formatura de Mestre de Capoeira; Encontro Feminino de Capoeira, Espetáculo Cultural, oficina de Capoeira Especial para professores e alunos de Capoeira, cerimônia integrada de batismo e graduação dos integrantes dos diversos grupos. Foram realizadas duas edições do MIC (2006 e 2007), onde o potencial educacional desse evento foi verificado a partir de ações de organização coletiva, colaboração, tolerância e solidariedade, tão necessárias para a realização de um evento com essas características.

ATIVIDADES EM PARCERIA COM OUTRAS ENTIDADES

PERI-CAPOEIRA – Curso de capacitação profissional para educadores populares de Capoeira do Estado de Santa Catarina, realizado em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Educação Intercultural, MOVER, da Faculdade de Educação da UFSC, com carga horária de 180 (cento e oitenta horas), com o objetivo de formação de rede de educadores populares e canais de comunicação numa perspectiva intercultural. Foram realizadas duas edições do curso Peri-Capoeira (2005 e 2007).

II SENECA – (Seminário Nacional de Estudos da Capoeira) – Realizado no Centro de Cultura e Eventos da UFSC, em Florianópolis-SC, nos dias 12, 13 e 14 de maio de 2006, em parceria com o GECA (Grupo de Estudos da Capoeira).

[1] O termo confraria tem expressiva densidade no campo cultural afro-brasileiro. Também chamadas de irmandandes, as confrarias tiveram grande importância na história do Brasil no que se refere a luta dos negros africanos em busca de libertação e na administração de fundos para compra de cartas de alforria, na luta pela ocupação do espaço social, na continuidade dos valores culturais e na constituição de identidade.

 

 

Marcos Duarte de Oliveira[email protected]

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