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Uma Lei Orgânica para a Capoeira

Mestres de Brasília-DF, estão desenvolvendo gestões e promovendo reuniões junto à Frente Parlamentar da capoeira, visando produzir em conjunto com os parlamentares que fazem parte da referida Frente, reflexões que possam tornar efetiva a sua atuação.

O entendimento que temos é de que a ausência dos capoeiristas na sua atuação de uma Frente Parlamentar que representa totalmente o nosso interesse, irá esvaziá-la, podendo até tornar nulo ou limitar muito o seu papel e seu propósito.

Nesse sentido, fizemos pessoalmente uma proposição junto ao Gabinete da Presidência da Frente pela capoeira, no sentido de que a mesma possa realmente se encarregar de levar adiante algumas questões basilares que nos afligem, promovendo um trabalho que realmente represente todos os segmentos da capoeira, cuja premissa essencial é a diversidade, que será a norte fundamental de qualquer tentativa de produzir políticas publicas para a nossa Arte.

Desconhecemos de onde surgiu a bandeira da capoeira como processo exclusivamente desporto-competitivo-olímpico, que parece estar norteando as ações do programa Pró-capoeira, do Ministério da cultura através do IPHAN, e que foram objeto de protesto feito através do manifesto dos capoeiristas de Salvador-BA, mas entendemos que realmente não podemos nos calar e simplesmente ir aceitando essas abordagens mais confusas ou limitantes que vão sendo articuladas no caminho da produção de salvaguardas, onde os verdadeiros interesses ficam pouco claros para grande maioria de nós capoeiristas.

Entendemos que o primeiro passo deva ser a produção de uma Lei Orgânica, onde se obtenha o consenso para uma visão organizada da capoeira, como conceito, enquadrando suas facetas mais relevantes, agrupando os atores que compõem e sustentam tais facetas; os órgãos do poder público que tem relações e interface com essa comunidade; as questões econômicas e legais típicas desse lado da capoeira; e também os instrumentos de regulação típicos que atendam aos interesses dessa face da capoeira, particularmente as políticas públicas mais importantes que se destinarão a essa comunidade.

A ausência de uma tal Lei Orgânica, que regule e que caracterize a capoeira, deixa espaço para todo tipo de ação desencontrada, limitada ou tendenciosa, que buscam atender sempre segmentos específicos da comunidade da capoeira, deixando de fora outros tantos atores, segmentos, profissionais, mercados de trabalho, legislações especificas, políticas públicas omissas, etc., e isso sempre tem acontecido.

Vamos descrever a seguir alguns problemas típicos que temos visto surgirem no caminho dessas leis e instrumentos de políticas públicas segmentadas e focadas no senso estrito de algumas questões ou de públicos restritos dentro da capoeira, entre eles os envolvidos na capoeira confederada ou desportivizada, ou mesmo ações relacionadas com o apoio aos chamados  “grupos de capoeira” onde pela influência pessoal alguns capoeiristas e mestres conseguem obter algum tipo de apoio ou vantagem, sendo que as leis e instrumentos (portarias, decretos, rubricas, etc.) até aqui produzidas apresentaram, entre outros, os seguintes problemas:

Leis segmentadas ou com visão limitada, produzindo vetos e restrições

Entre as leis já apresentadas ou aprovadas, algumas foram inclusive vetadas totalmente pelo Presidente da República, depois de anos de uma desgastante tramitação pelo Congresso Nacional, porque traziam em sua proposta a submissão de toda a capoeira, todos os seus segmentos, já que não especificava nada, ao julgo de duas instituições apenas, as quais passariam a exercer um poder sem precedentes sobre a capoeira.

Muitos criticaram a atitude do Presidente, mas infelizmente parece que ele estava certo, pois não podemos entregar a capoeira para o poder e o arbítrio de nenhuma “autoridade” totalitária, pois ela pertence ao povo brasileiro a ele cabe decidir seu destino!

E isso só para citar uma única tentativa de se legislar sobre a capoeira… Outras leis que possam ter prosperado e chegado à alguma conclusão tratam de assuntos sem relevância ou abrangência, como datas comemorativas, a desvinculação da capoeira do CONFEF, etc.

Não podemos mais perder tempo com esse tipo de lei… que só seriam redigidas com visões limitadas, interesses estranhos, enfim, leis que só iriam dividir os capoeiristas entre incluídos e excluídos…

Não é raro na capoeira e a maioria de nós sabe exatamente que isso acontece, onde ações, portarias, e mesmo leis, são redigidas com o objetivo de favorecer grupos específicos. Isso acontece muito em leis produzidas no âmbito de Estados e Municípios, justamente porque não existe uma lei maior, ou seja, uma Lei Orgânica para organizar e sistematizar a discussão em torno da capoeira. Justamente isso o que buscamos

Falta de sistematização

A produção de leis isoladas e não evolutivas, que tampouco que permitam sua manutenção, de acordo com a evolução do próprio debate, da entrada de atores importantes ou dos desdobramentos que a mesma deva ter, engessa essa legislação. Inibe a ampliação das discussões, dificulta ou mesmo impede que os assuntos sejam tratados em outras perspectivas ou outros segmentos. A sistematização é uma das premissas da Lei Orgânica.

Sistematização quer dizer que seja organizada de modo sistêmico, possuindo a capacidade de ser mantida, expandida, esteja aberta a aceitação de novos participantes, de novos atores, outras questões, já que sua primeira visão é genérica, mas é abrangente.

Ações pouco transparentes do governo

As ações do poder público destinadas à capoeira são sempre um grande mistério. Ou, melhor dizendo, tem sempre alguém que toma conhecimento, é muitas vezes quem alimenta os órgãos de informações e bases conceituais e dados que são usados para a confecção dos artefatos legais, portarias, decisões, ou o que for.

Esse tipo de comportamento já muito conhecido dos capoeiristas. Já vimos projetos destinados a inserção da capoeira na escola serem feitos e coordenados por mestres de capoeira, que não compartilharam nada do que foi feito com a comunidade, tendo ele mesmo ou seus alunos ocupado os espaços, cargos, locais de aula, etc.

Naturalmente numa situação assim os interessados mantém todo o aparato de atitudes e subsídios que permitam que as decisões e ações seja executadas mas não compartilham essas informações, atitude muito comum por quem recebe os benefícios dessa legislação ou ações de governo.

Todos nós sabemos que a nossa tradição política é essa: você está comigo eu te apoio, se não está não te conheço! Assim age grande parte dos nossos gestores públicos. Alguém duvida??

Desconhecimento no Legislativo

O Congresso Nacional instância maior da representatividade dos interesses do provo brasileiro, e nesse sentido todos nós, independentemente de que profissão exercemos, que esporte praticamos, oficio que exercemos, ideologias que sigamos, sempre teve suas prioridades, seus lobistas atuando, suas negociações e tantas outras coisas que não entendemos ou não participamos, ou pior ainda, nem sabemos que ocorre.

No caso da capoeira o que fica mais patente quando conversamos com qualquer legislador, seja deputado, senador, vereadores, prefeitos, etc., é que eles desconhecem solenemente a capoeira e suas questões, seus desdobramentos… Uma lei orgânica conceitua, caracteriza, define envolvidos, define atores do governo, define políticas típicas para cada segmento, e essa é uma das funções de uma Lei Orgânica: levar o Congresso a conhecer melhor a capoeira e poder se envolver com ela, sabendo que ela tem essa e aquela faceta, este e aquele ator, essa ou aquela questão.

Essa abordagem evitará a produção de leis excludentes como tem acontecido, que se propõem de maneira equivocada a tratar da capoeira, numa totalidade falsa, ou que não aceita a premissa da diversidade que a capoeira representa.

Falta de transparência das ações de governo

A falta de uma legislação para a capoeira, permite que setores e entes públicos usem de suas visões para decidir arbitrariamente sobre assuntos e questões da capoeira, tais como o uso de espaços públicos, a contratação de pessoas (acabamos de ver um processo de contratação acontecer no âmbito do MINC/IPHAN que ninguém sabe quais foram os critérios utilizados para escolher os chamados “consultores” que foram contratados para a implantação da capoeira como patrimônio cultural brasileiro. Alguém sabe?)

A liberação para uso de espaços públicos, ou de verbas para projetos e viagens de capoeiristas, o patrocínio de entidades governamentais, entre tantas outras ações do poder público, nos deixam ver claramente que não existe conhecimento ou clareza nas ações que envolvem a capoeira, onde algo que poderia ser perfeitamente licitado, ou pelos menos projetos que poderiam ser selecionados a partir de critérios do conhecimento geral, são simplesmente ocultos esses critérios.

As ações do recente projeto do Ministério da Cultural, no seu programa “capoeira viva”, vimos pessoas e entidades serem contempladas com recursos públicos utilizando para isso de critérios que pessoalmente desconheço, sendo inclusive que uma vez me dirigi aos gestores desse programa, perguntando se teria acesso pelo menos aos projetos que foram aprovados e quais os critérios usados e me foi respondido que não fazia parte do processo fornecer esse tipo de informação.

Enfim, a idéia de existir uma Lei Orgânica se destina a tratar e contornar todas a maioria dessas questões acima enumeradas.

Embora o próprio texto da Lei ainda não tenha sido iniciado em sua confecção, trabalho esse que já está sendo entabulado junto à Frente Parlamentar, já existem alguns aspectos da mesma que deverão ser considerados para sua confecção, atributos e requisitos que a tornará realmente acessível e abrangente e facilmente compreendida por todos os capoeiristas.

Sua proposta deverá considerar e incluir as seguintes premissas e características em seu bojo:

 

  • Simplicidade
  • Abrangência
  • Clareza
  • Riqueza de elementos norteadores
  • Estratégia política
  • Aplicabilidade
  • Inclusividade/diversidade

Essas condições deixam claro que não podemos mais ser submetidos a abordagens que privilegiem visões acadêmicas ou herméticas, ou seja, abordagens em si mesmas excludentes ou pouco claras, que não permitam uma compreensão abrangente e sem intermediários de parte dos capoeiristas.

Por isso é que estamos trabalhando junto à Frente para que possamos subsidiar o trabalho que a mesma irá desempenhar e com isso evitarmos que o descaminho e até a nulidade de suas ações possam acontecer.

A essência da proposta da Lei Orgânica para a capoeira, terá como primeira meta a de organizar o sistema envolvido na capoeira em sua abrangência e que possa identificar as diversas questões e os diversos atores e envolvidos, montando assim um primeiro instrumento jurídico efetivo com a validade e a abrangência que caracterize a capoeira em sua diversidade, seus segmentos e suas questões especificas.

A intenção dessa proposta é demonstrar e agir sob a perspectiva de que não se deva colocar numa mesma receita questões de natureza acadêmicas, culturais, ancestrais, desportivas e outras, admitindo que exista um segmento interessado em cada uma dessas faces de nossa Arte.

A proposta busca resolver um problema técnico e sistêmico da legislação que deverá ser aplicada à capoeira, revelando antes de tudo sua conceituação e seus desdobramentos temáticos, facilitando com isso o seu entendimento e permitindo a produção de leis e instrumentos de políticas públicas e ou privadas que se ocupem de cada uma das especificidades que envolvem nossa arte.

Assim sendo, essa Lei Orgânica, terá como intenção atender as seguintes justificativas básicas:

 

  • Produzir perspectivas para a FPC – Frente Parlamentar da Capoeira;
  • Criar salvaguardas legais para a capoeira em todos os seus aspectos e interesses específicos;
  • Oferecer elementos ao Legislativo para compreender a abrangência e profundidade do tema e das questões relacionadas com a Capoeira
  • Neutralizar divergências e competições, uma vez que oferece abrigo para todos os segmentos da Arte;
  • Oferecer estímulos e compromissos dos legisladores e ações de governo;
  • Criar processo continuado de legislar sobre o tema, pois cada uma parte caracterizada deverá abrir outras leis e processos específicos
  • Vincular setores de governo a ações para salvaguarda e inclusão da capoeira em suas diversas facetas;
  • Criar respaldo à inclusão cidadã dos praticantes e mestres, profissionais e detentores dos seus saberes, que possuem necessidades e direitos distintos;
  • Proteger o patrimônio imaterial da capoeira;
  • Orientar ações do poder público, atribuindo compromissos e obrigações aos setores do governo de modo independente entre si, assim o Ministério do Esporte poderá apoiar e se envolver com as questões desportivas ao tempo que o Ministério da cultura se encarregará das questões culturais, rituais, ancestrais de interesse direto dos portadores da cultura capoeiristica;
  • Segmentar as discussões da capoeira e especializar os temas/atores, em fóruns e congressos específicos e salvaguardando nossos mestres dos saberes capoeiristicos de de desrespeito e exclusão por uma abordagem hermética e/ou excessivamente técnica.

 

Entre outros aspectos que poderiam ser citados.

Entendo que a capoeira ganhará, assim, uma identidade no legislativo e no executivo, trazendo a tona uma nova visão e nova compreensão, efetiva e abrangente, de seus problemas, segmentos, atores, questões, etc.

A visão da Lei Orgânica é sistêmica e não deverá excluir nenhum dos interessados, apenas organizando seus temas em segmentos e permitindo uma priorização democrática nas políticas que forem sendo produzidas e, conseqüentemente, nas ações daí geradas.

Em termos de encaminhamento, a Lei Orgânica irá ser produzida numa primeira versão em Brasília-DF, contando com os mestres e professores daqui, alguns colaboradores que compreendam sua proposta e possam contribuir com as questões técnicas relacionadas com formatação e linguagens que a estruturem, passando esta primeira versão a circular por todos os cantos e todos os capoeiristas interessados em contribuir com ela, absorvendo todas as idéias e sugestões que a melhorem e aumente sua abrangência e alcance para que a maior diversidade de percepções possíveis possam ser abrigadas e acatadas por ela.

Essa fase esperamos que aconteça muito brevemente pois sabemos que existe uma possibilidade de apresentarmos essa minuta ainda este ano para encaminhamento pela Frente Parlamentar da capoeira.

Espero contar com o apoio de todos os nossos camaradas e, aproveito para esclarecer que este projeto de lei é de iniciativa nossa, não tendo nenhum compromisso com interesses outros que não os da nossa comunidade, que tem como premissa ser INCLUSIVA, ou seja, ninguém deverá deixar de ter voz e de ser reconhecido no processo de legislação da capoeira.

Mestre Squisito: Uma Lei Orgânica parta a Capoeira Aguardo todas s reflexões e contribuições que possam surgir para o encaminhamento do assunto e esclareço que estamos buscando muito brevemente todos os meios para que as idéias sejam colhidas junto aos camaradas tanto nos Estados e cidades Brasileiras, como vindas de quem trabalha e desenvolve nossa Arte no exterior!

Grande abraço a todos e seguimos na luta pela emancipação cidadã da capoeira!

Reginaldo da Silveira Costa

Mestre Skisyto

[email protected]

55 61 9176 8071

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