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FLORES E ESPINHOS: memórias dos desacertos na vida de uma capoeira

ENTRE FLORES E ESPINHOS: memórias dos desacertos na vida de uma capoeira

Por essas andanças na capoeira, quantas vezes fomos surpreendidas por algumas situações hilárias, se não fossem trágicas, que nos perguntaram se, de fato, éramos capazes de seguir firmes com a arte? É sobre este tema que trataremos no texto a seguir.
Há poucos dias estava eu, em meio a uma conversa divertida com familiares, contando alguns desacertos já vividos na capoeira. Contava sobre as andanças nesse mundão a fora, em workshops, turnês, visita a eventos e outras tantas atividades, enfim, vivências adquiridas na lida profissional, que nos convidam a termos, ativadas, a flexibilidade e a malícia nas relações com o outro/a, a sagacidade para não nos deixarmos prejudicar nos desencontros, e a sabedoria para seguir firmes no propósito e missão com a arte.

Certa feita fui convidada para um evento de uma “amiga”, aqui no Brasil, que havia se comprometido a garantir passagem, hospedagem, alimentação, tendo eu liberado o cachê numa dessa trocas que a gente faz por camaradagem. Até o final do evento tudo foi honrado. Na hora de ir embora, estava na companhia de um mestre respeitado aqui na minha terra, já na porta do aeroporto, a “amiga” virou para nós dois e disse: – Sabe o que é? É que o evento não deu muito lucro e não consegui comprar a passagens de vocês. Virou as costas e foi embora, e eu tive que “descascar este pepino” para retornar a Salvador. Olhe, que se duvidar, ainda saí como errada pra ela!

Outro caso se deu quando, em um evento na América Latina, o responsável havia me deixado no aeroporto, cerca de 100 km da cidade do evento, e na hora do embarque descobri que aquele estado cobrava uma taxa extra de embarque para estrangeiros no valor simbólico de $70 dólares, 490,00 reais, imagine?! Como o trabalho ainda não tinha terminado, e eu ainda não tinha sido pago, reuni o pouco que tinha na carteira, que junto com o que os agentes da companhia aérea reuniram de “vaquinha” não cobria o valor da taxa. Resultado: Perdi o vôo, mas consegui dar um telefonema e, algumas horas depois, o responsável do evento apareceu e ajeitou as taxas, me liberando para voar para a próxima estação de trabalho… A vida é dura, mô pai!

Em outra ocasião, estava na organização de um evento e, no processo de convite dos mestres, fui surpreendida por um pedido de “cachê inusitado”, pois o famoso mestre, para além do pró-labore de costume, me pediu para levar sua amante e ainda que eu custeasse hospedagem e alimentação da mesma, considerando a possibilidade de um hotel diferenciado com eles na suíte de casais… É mole ou quer mais? O mestre ainda me disse: – Não faço isso pra qualquer um, mas pra você vou abrir essa exceção, indo em seu evento e te dando um axé!!!”… É brincadeira?!

Ainda na América Latina, precisei fazer uma viagem entre dois estados de ônibus, pois o grupo possuía poucos recursos na época, não podendo custear passagens aéreas, contudo, não nos avisaram que no trajeto, na cordilheira do Andes, passaríamos por uma cidade controlada pela guerrilha (paramilitares), e que era freqüente o seqüestro de estrangeiros… Lá pelas tantas da madrugada, nosso ônibus foi abordado por vários homens armados, com roupas camufladas velhas e desgastadas, pedindo para que os homens descessem do veículo e ficassem apenas de roupas íntimas, no acostamento da estrada. Neste momento, viro para o responsável pelo evento naquele país, e pergunto: -E agora, como ficaremos? (risos) E ele responde calmamente: – Tranquilo maestro, porque no passará nada … La guerrilla solo secuestra a ricos … Solo somos pobres capoeiras”… E tudo seguiu bem, tirando o frio abaixo de zero e o medo por toda aquela situação.

Aqui são alguns casos que vivi… Outro dia, lá no começo de minha trajetória em capoeira, fui pra um evento no interior da Bahia, literalmente de carona no lombo de um caminhão de cimento, amarrado nas cordas pra não cair. Quando chego na praça principal da cidade, já tinha uma roda rolando. Entrei pra jogar. Aperto com um. Aperto com outro, roda difícil, aí acabei me engalfinhando com um capoeira perigoso da cidade chamado “miseravão”, aperto mesmo. Quando chega a noite, e eu vou durmir no quarto coletivo, quem está durmindo na cama de baixo do beliche? “Miseravão”. Rapaz, só lembrei de mestre Bimba (risos). Era um olho aberto e o outro fechado a noite toda até sair de finininho pela manhã pra casa… Vixe!!! Foi barril dobrado….

Menina, é história viu!? Olha essa… Em uma das viagens que fiz, grávida de sete meses, para fazer alguns workshops e uma exposição de 15 berimbaus que preparei representando o estado da Bahia para a embaixada do Brasil fora do país. Logo na saída, em uma conexão do avião, esqueci meu documento de identidade no balcão de check-in. Ao chegar no destino, todos os berimbaus foram extraviados e não fiz a exposição para a embaixada, juntamente com as malas, ficando dois dias sem roupas para trocar. Durante a estadia, já no segundo país da turnê, em um workshop no acampamento, roubaram minha bolsa com cartão de banco, passagens aéreas, dinheiro , e o pior de tudo, meu passaporte. Pra voltar tive que esperar 07 dias para uma autorização de retorno ao Brasil ser expedida pela embaixada brasileira. Acha que os problemas acabaram aí? Na volta para o Brasil, ao chegar, tive novamente minha bagagem extraviada. A moral da história é a Lei de “Murphy”, que diz que quando tudo estiver ruim, calma, pois ainda pode piorar (risos).

Certa feita no continente africano, dois dias depois de nossa chegada ao país para pesquisar sobre o povo “macúa” e sua possível ligação com o maculêle, caímos num velho golpe nas ruas de Maputo, onde um cidadão nos abordou na rua dizendo ser o agente da imigração e ter ajudado a gente. Foi super solícito e pediu uma ajuda financeira. Nós demos, na verdade, mais por medo do que por solidariedade. Depois soubemos que ele era um golpista antigo que pega a maioria dos estrangeiros que chegam por lá. Ali faltou capoeira, mas sobrou sobrevivência! rsrsrs…

Tem muitos casos, mas só vou contar mais um. Em uma de nossas turnês na Europa havíamos levado 70 berimbaus e um monte de outras coisas pra vender. Fizemos um “meio de campo” com um conhecido lá e ele nos convidou para uma roda aberta no subúrbio de Paris, alegando ser uma boa oportunidade para vender o material, pois estariam lá os representantes/líderes dos grupos da cidade. Assim, seguimos pra a tal roda. Logo no primeiro jogo recebi um martelo que veio com “endereço certo” para arrancar minha cabeça (risos)… Por sorte, esquivei e emendei a velha banda “in Bahia” (risos)… Daí por diante foi só problema, pois foi preciso sobreviver a roda, revezando entre a gente e eles, sem bater muito, nem apanhar, pois eles eram os potenciais compradores/clientes do “Mercado Modelo” que tínhamos levado… Resumo: Como dizia Ney Matogrosso… “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”… Só para matar a curiosidade de vocês…. Vendemos tudo na turnê e com a grana mobilhamos nosso apartamento em Salvador… É labuta viu…

Enfim, são inúmeros “causos” vividos, que não cabem numa única escrita, portanto, vou me despedindo, hoje sorrindo de todas estas memórias que um dia me deram um aperto. Certa de que sou fruto deste cabedal de experiências orquestradas numa trajetória de “existência na resistência”. Me constituindo como pessoa respeitável por um saber construído também pelas “mãos no chão” e um “berimbau que fala”, sendo conhecido e REconhecido pelas pessoas que possuem “farinha no saco”, “onde só vai quem tem negócio”.
Ou seja…”Pé que não anda, não toma topada!”


Axé.:
Ei, psiu! Gostou? Então compartilha, ajuda a capoeira a refletir e avançar!

Por: Mestra Brisa e mestre Jean Pangolin

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