“APARTHEID” VELADO
No Brasil, o exemplo mais notório deste fenômeno ocorreu no ano de 1969 quando o ator Sérgio Cardoso, já falecido, maquiado de negro e usando rolhas de cortiça no nariz para avolumá-lo, interpretava o papel principal na novela A Cabana do Pai Tomáz. Esse fato na época gerou protestos em São Paulo, segundo afirma Zito.
Também a atriz “Sônia Braga ganhou um bronzeado especial para fazer Gabriela, porque, segundo os diretores da novela, não havia atriz negra com o perfil da personagem”. (ÉPOCA, 8/3/2004)
Essa atitude da Rede Globo, implicitamente, lembrava, todo dia, à comunidade negra que o padrão de comportamento ideal e possível para ela ser aceita na sociedade brasileira era ser o “preto de alma branca”, serviçal, fiel e submisso.
Fenômenos como esses nos remetem a uma reflexão sobre oportunidades diferenciadas de acesso à educação, à cultura, às chances de ocupar melhores posições no trabalho. Pois se na televisão, as portas só se abriam para os brancos, é porque eles detinham o poder, boa posição social e formação acadêmica.
Só recentemente tivemos a primeira protagonista negra na história das novelas globais. Trata-se da atriz Taís Araújo que interpretou o papel de Preta na novela Da Cor do Pecado exibida pela rede Globo no ano de 2004. Não obstante, houve protesto publicado no site Mundo Negro, que se dedica a discutir as problemáticas do negro na sociedade. Segue trecho da nota/denúncia publicada no endereço eletrônico
www.mundonegro.com.br, acessado em 13/11/2005 enviada à época pelo Fórum Permanente de Mulheres Negras Cristãs do Rio de Janeiro à Rede Globo:Sob o pretexto de estar trazendo uma atriz negra para protagonizar o novo folhetim, na verdade, o que vemos ganhando forma em nossa frente é um enredo que mistura ingredientes racistas e sexistas, que fantasiados de elogio (beleza, sensualidade, malemolência), reforçam conceitos naturalistas responsáveis por estereótipos que têm vinculado, no imaginário brasileiro, a mulher negra à sexualidade desenfreada, ao erotismo vulgar, à fragilidade de valores morais e esvaziando de maneira cruel o papel e a importância da mulher negra no processo de construção deste país e que nós sabemos (e eles também) que vão muito além dos seios fartos das mães-pretas e dos quitutes das “Anastácias”.
Já no futebol o fenômeno se deu de forma inversa. O time do Fluminense do Rio de Janeiro, na época considerado da alta sociedade, bem como vários outros clubes, mantinha uma política discriminatória que impedia que negros jogassem nos seus quadros. Ante a inegável qualidade técnica de seu futebol, e a necessidade de melhorar tecnicamente os elencos, a solução encontrada por seus diretores, membros da elite carioca, foi a de maquiar os jogadores negros de branco. (whiteface?) Assim, o time teria uma “boa apresentação” nos gramados, diminuindo o constrangimento de abrigar negros nos seus quadros. Por isso, ganhou e detém, até hoje, a alcunha de “pó de arroz”, que era o produto usado para tal finalidade. Este apelido é a marca indelével deste período de vergonha para o nosso futebol, colocado de forma sarcástica e bem apropriada pelas torcidas dos times adversários. Os cabelos também tinham que ter uma adaptação especial. Eles deveriam ser “alisados” a ferro quente ou então o negro usava uma touca ou similar para escondê-lo.
O futebol, no início do século XX, era praticado pela elite brasileira em clubes sociais, onde a grande massa não tinha acesso. Apesar disso, algumas décadas depois, já era possível observar a ascensão técnica dos negros na prática desse esporte, muito embora não tivessem local adequado para praticá-lo. Assim sendo, contentavam-se em fazê-lo em terrenos baldios e logradouros públicos de onde eram escorraçados e presos pela polícia e ainda discriminados pela sociedade, que os tratava como vagabundos.
Eles treinavam compulsivamente, pois tinham todo o tempo livre, uma vez que eram subempregados ou desempregados. O tempo disponível aliado à habilidade inata resultaram nos Leônidas da Silva, Garrinchas e Pelés, além do penta campeonato mundial de futebol. Isso sem citar os Ademir da Guia, Russo, Zanata, Biro-Biro e tantos outros “sararás”, “galegos” ou “saruabas”, cujas mães provavelmente tinham a chamada “barriga limpa”. Olééé!