Cronica: E AINDA ME CHAMAM DE RADICAL…
No mês de abril tive o prazer de receber como hóspede o administrador do site Portal Capoeira, Luciano Milani, que em merecidas férias aproveitava o tempo livre para pesquisar capoeira “na fonte” aqui em Salvador, mantendo uma extensa agenda na qual constavam encontros com mestres como o Mestre Decânio, Mestre Pelé da Bomba, Mestre Gagé, Mestre Bola Sete dentre outras personalidades da capoeira. Agendadas também estavam visitas à instituições como a Associação Baiana de Capoeira Angola e academias como a Fundação Mestre Bimba do Mestre Nenel.
Eu, cumprindo o papel de cicerone sempre que minhas atividades acadêmicas permitiam, estava no Pelourinho com Luciano e resolvemos fazer uma visita a uma academia para conversar um pouco com o mestre da casa. Ao chegarmos ele não estava, porém, tinha um monitor ou professor dando aula para uns três estrangeiros. Paramos para olhar quando, estarrecido, verifiquei que o referido professor estava dando a aula em (péssimo) inglês, talvez na tentativa de “agradar os clientes” ou talvez até de “se mostrar diferenciado” em relação aos demais profissionais da área que dão aula em português.
Ora, um dos orgulhos culturais que a capoeira carrega é de propagar aos quatro cantos do mundo o nosso idioma… Aí meu camarada, é complicado aceitar este argumento. Minha mãe tinha usava muito um ditado popular que diz: “Quem muito se abaixa o rabo aparece…”.
Esta subserviência, baseada na idéia que temos sempre que agradar os de fora ainda que para isso sacrifiquemos nossos bens culturais, não pode continuar. Temos que dar um basta.
No dia 31/5 ao assistir um noticiário local, me chamou a atenção a notícia de que um grupo de mulheres capoeiristas iria fazer uma turnê na Europa e salvo engano, iria à Alemanha durante a Copa do Mundo apresentar a arte brasileira da capoeira aos gringos. Tudo estaria nos conformes se eu não tivesse notado (maldito olho crítico) alguns detalhes na apresentação que elas fizeram para uma rede de TV local.
O que primeiro me chamou a atenção foi que na bateria estava constando como instrumento o nosso velho e querido violão. VIOLÃO… é mole ou quer mais? Relutei a acreditar no primeiro instante, porém, as imagens seguintes confirmavam que não precisaria ir com urgência no dia seguinte ao oftalmologista; era mesmo um sonoro violão, ali, bem ao pé do berimbau.
Pergunto: Onde nós vamos parar? Ou “O que estará por vir”? Daí para a guitarra elétrica ou instrumentos de sopro é um pulo. Eu já tinha visto o Balé Folclórico da Bahia colocar um “surdão”, mas violão é a primeira vez. Talvez até seja ignorância da minha parte porque se a gente reparar bem tanto violão quanto berimbau tem corda né? Afinidades…
Se vocês pensam que a “performance” das meninas pára por aí está se equivocando. Elas usavam um modelito azul, com a camisa em pontas amarrada no meio do tórax e calças com vários babados em cascata, fartos e coloridos abaixo do joelho. Algo mesmo espetacular!
Acho bem apropriado para a ocasião tomarmos a fala de um retórico dos mais importantes da história, Marco Túlio Cícero, 106 aC a 46 aC. São famosas suas catilinárias, discursos contra um político da época, um certo Catilina, senador, como ele próprio. Na sua mais famosa fala sempre citada em todo o mundo ele dispara:
– Quousque tandem, Catilina, abutere patientia nostra? Que em bom português significa: Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? Fazendo uma adaptação ao nosso caso questiono: Até quando, oportunistas, abusarão de nossa paciência? É simplesmente lamentável constatar estes abusos… E ainda me chamam de radical!