Navio Negreiro

O homem que enviou para a Bahia mais de 500 mil escravos

Se você é negro, ou mulato, são grandes as chances do cidadão do retrato ter tido um papel determinante na sua vida, os secretos desígnios do sangue e da raça, ele responsável pelo envio de mais de 500 mil escravos do Golfo de Benin, para a Bahia no século XIX. O nome dele é Francisco Felix de Souza, conhecido como Xaxá, não se sabe até hoje se originário de Salvador, do Rio de Janeiro, ou de Lisboa; em todo caso um personagem e tanto que chegou a ser considerado no seu tempo o homem mais rico do mundo.

O Xaxá viveu uma vida de fausto e esplendor, ainda que recluso pelas circunstâncias de sua profissão de comerciante de escravos. Não arriscava sair da feitoria para exibir sua riqueza nos salões da nobreza e dos potentados europeus. Temia a vigilância cerrada dos ingleses que desde 1807 policiavam, com relativo sucesso, o tráfico de seres humanos, apreendendo navios negreiros e estabelecendo multas, castigos diversos e prisão inclusive aos responsáveis e implicados.

O Xaxá era ele próprio um escravo no seu harém de fausto e esplendor, o ouro que possuia não podia sair do país e não tinha outra serventia a não ser a ostentação. Viveu como um Rei, exibindo grossas correntes de ouro no pescoço e numerosos anéis de brilhantes nos dedos e já idoso segurava na mão uma bengala com castão de ouro. Na mesa de jantar servia os convidados em rica porcelana chinesa, talheres dourados, pratos de prata e copos talhados, ornamentados com pedras preciosas.

Viveu como um monarca e morreu na hora certa, em 08 de maio de 1849, dois anos antes do último navio negreiro que aportou em Salvador: o Relámpago. Este episódio marcou em definitivo o fim do comércio de seres humanos e se vivo fosse o Xaxá teria assistido a sua ruína, já que então possuía na sua feitoria doze mil escravos para vender, ou seja, doze mil bocas para alimentar e doze mil corpos para cuidar e vestir. E a nova situação implicaria não ter mais receita para cobrir os custos.

A sua morte repercutiu entre o governo e a elite da Bahia, em especial entre capitalistas, companhias de seguros, traficantes de escravos, capitães de navios e senhores de engenho; mas não menos do que no reino de Daomé (Benin) onde o Rei Ghézo enviou para seu funeral 80 Amazonas e quis sacrificar sete nativos na sua homenagem, rito este recusado pelo primogênito do Xaxá. Ao morrer deixou 51 mulheres viúvas (negras e mulatas) e mais de 80 filhos varões, um número inestimável de filhas mulheres e algumas centenas de netos.

O maior feitor de escravos que já existiu sobre a face da terra teve a Bahia como destino preferencial de seu comércio, em função dos convênios do privilégio da exportação de tabaco de refugo do Recôncavo para a África. Do Porto de Salvador partiam barcos contendo rolos de fumo que retornavam trazendo mão de obra escrava. E foi assim que centenas de milhares de africanos provenientes do Golfo de Benin aqui aportaram para viver e morrer, escravizados; para trabalhar e ter muitos filhos e descendentes que formaram a miscigenada família baiana.

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Nelson Cadena
 é jornalista e escritor. Pesquisador das áreas de comunicação e história da Bahia há mais de 30 anos. Escreve para o Jornal Propmark, Revista Propaganda, Jornal Correio, Revista Imprensa e no site do Sinapro-Bahia. Idealizador e editor do maior site de pesquisa sobre comunicação do Brasil (www.almanaquedacomunicacao.com.br). Autor dos livros: Brasil. 100 Anos de Propaganda; e 450 Anos de Propaganda na Bahia.

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