ÉTICA NA CAPOEIRA

AGRADECIMENTOS

Conscientes do valor da vida e de cada ser humano, reconhecemos e agradecemos, com todo carinho, as pessoas que são marcos em nossas vidas:

  • Deus – Mestre dos Mestres e criador das coisas palpáveis e impalpáveis;
  • Nossa família – pelo carinho, paciência e incentivo naquilo que acreditamos ser contribuiçãopara as mudanças sociais;
  • Mestre Nô – Grande amigo e fonte de uma grande sabedoria e esperança na capoeira-que hoje já é de útilidade pública estadual em alguma parte do país, fruto de sua missão.
  • Mestre Sabiá – Um grande amigo que nos incentiva e confia com a perseverança de um autêntico guerreiro-Badauê.
  • Aos Mestres – Naldinho, Geni, Boa Gente, Tônico, Jair, Henrique, Lázaro e Dalmo, pelas relevantes informações prestadas que foi de suma importância na conclusão deste seminári
  • e ao grande ser humano e companheiro-Rafael Magnata-que sempre nos alertou para o jogo da vida e que de tão especial não conseguimos agradecer com palavras, mas sim, com nosso axé e presença ao seu lado.
  • Aos irmãos capoeiristas da Badauê e da Palmares do Brasil e do Mundo que por amor tornam a capoeira expressão viva de uma nação.
  • Aos alunos formados: Marrudo(Fortaleza- Ceará) e Manga Larga (Aracajú- Sergipe), também pelas informações prestadas.
  • E a todos que admiram e abraçam não só o ser negro, mas esta arte que encanta-capoeira-como uma filosofia de vida e expressão de amor.

Axé.

SUMÁRIO

I – Introdução
II – Negro – Mercado da Escravidão
III – Propósito da Capoeira na Paraíba
IV – Grupo Cultural Lua de Palmares: Propósito do grupo quanto à cultura.
V – O Que é Ética
VI – Ética na Capoeira
VII – Capoeira Mulher

I – INTRODUÇÃO

Comemorar o dia da abolição no Brasil, vem sendo vivenciado com menos intensidade no país. Isso se deve em parte ao afastamento dos órgãos governamentais que não vem dando uma assistência como deveria aos problemas sociais de modo geral.
Um outro fator no esquecimento ou mais especificamente no distanciamento em se comemorar o "Dia da Abolição", -diz respeito aos próprios negros que estão trocando o 13 de maio-marco da abolição, pelo 20 de novembro, denominado de "Dia Nacional da Consciência Negra".
O 13 de maio para muitos negros, principalmente aqueles negros mais conscientes da historia dos seus antepassados, não aceitam o 13 de maio como ato de abolição, defendido com mais rigor pelo movimento negro, como sendo, apenas, um ato, e o é. Já o dia 20 de novembro, aniversário de morte do líder negro Zumbi dos Palmares, que lutando por justiça foi perseguido em toda a sua trajetória histórica, até ter seu corpo esquartejado em 20 de novembro de 1695, após longos anos de lutas contra o racismo e outras discriminações mais vividas pelo povo negro no Brasil. O movimento negro, entidade que luta pela igualdade, vem se distanciando em comemorar o 13 de maio como marco na história do povo negro no Brasil.
Hoje, a constituição brasileira já garante ao negro,um espaço muito significativo dentro da sociedade, garantindo-lhes o direito de se defender juridicamente contra os seus discriminadores, ocorrendo inclusive prisão e indenização por danos     morais se comprovado e reclamado pelo mesmo.
Há de se explicitar também, que o negro de modo geral, deve se inteirar mais nos acontecimentos e participar do processo político do país e investir na educação, no sentido de adquirir conhecimento e consciência, para, a partir daí, o povo negro no Brasil passar a se auto valorizar espontaneamente e conquistar seu espaço, também, na divisão de renda do Brasil.   
Politicamente, os negros hoje já se fazem representar no poder, com uma parcela significativa dentro da política nacional, a exemplo de Carlos Paim, que foi autor recentemente de projeto de Lei ampliando o direito do negro na sua auto defesa
contra o racismo; a deputada Benedita da Silva, o ministro dos desportos Edson Arantes do Nascimento, mundialmente conhecido como Pelé, entre outros que vem sendo exemplos de encorajamento aos negros, para que se conscientizem e passem a participar também desse processo, só assim, o povo negro poderá afastar o "fantasma" , tão presente, da discriminação racial.
O presente trabalho aqui proposto, não pretende discutir especificamente a discriminação propriamente dita, e sim, fazer um breve histórico da trajetória desse povo que foi marco na economia brasileira através dos ciclos da cana-de-açúcar, do ouro e do café. Isto posto, falaremos do legado cultural que é a capoeira, cujo tema aqui enfocado, se denomina "A Ética na Capoeira".

II – NEGRO – MERCADORIA DA ESCRAVIDÃO

A escravidão é uma instituição tão antiga quanto ao gênero humano e de amplitude universal, pois, legitimada pelo direito do mais forte, ocorreu em todos os tempos e em todas as sociedades, até hoje, onde negros continuam sendo marginalizados, sofrendo com o preconceito que surgiu com o sistema capitalista, onde "a metrópole se apropria do excedente realizado pelo escravo que assim favoreceu a acumulação primitiva indispensável ao desenvolvimento europeu". Milhares de escravos foram vítimas da ignorância dos colonizadores e foram "arrancados" de suas famílias ainda em sua tribo, em alguns dos países africanos.  
"Este, é um país formado na concepção de que trabalho é algo que se obriga outro a fazer e pessoas humanas são mercadorias", baseado nesta tese, o Brasil teve três séculos e meio de regime escravocrata e apenas um de trabalho livre. Com isso foram importados 4 milhões de negros africanos.
Esse comércio favorecia tanto ao Brasil como aos países africanos, no entanto, os escravos sofriam
bastante com a viagem que em média duravam 43 dias e poderia até dobrar o tempo dependendo da distância.
Muitos negros morriam na travessia causados por maus tratos, má alimentação, superlotação, doenças. Mas
nem isso fez diminuir o tráfico negreiro e muito menos que o Brasil se tornasse um país de estrangeiros, já que o que predominava eram os africanos e não os crioulos brasileiros.
A maioria dos escravos trazidos para o Brasil pertenciam a dois grandes grupos de língua e cultura bem diferentes: a dos sudaneses- iançãs, mandingas, nagôs e reinos africanos florescentes -eram encontrados nas regiões mais ao norte do litoral
africano e os bantos-cabindas, benguelas, congos,  angolas-estes eram considerados excelentes agricultores.
Dessa forma os negros ocupavam o território brasileiro contribuindo com sua força de trabalho com o enriquecimento dos senhores feudais, por outro lado, eram impedidos de constituírem suas famílias e tinham que anular sua individualidade, reduzindo-o a condição de máquina destituída de vontade própria e cegamente obediente a razões inquestionáveis, assim como não permitiam seu agrupamento para evitar que se conscientizassem de sua condição social.

III – PROPÓSITOS DA CAPOEIRA NA PARAÍBA

A prática da capoeira na Paraíba não é uma constante como na maioria dos Estados. Aqui na década de 70, a capoeira tem sua divulgação através do Grupo Terra Seca, onde se destacam Pássaro Preto, José Menino, Marco Antônio Batista, este último, hoje em plena atividade, lidera o grupo Cultural de Capoeira Badauê de Palmares em Campina Grande e demais cidades do Estado.
Em 1979, o mestre Zumbi-Bahia, implanta um trabalho intensivo com capoeira, mas não obtém os resultados positivos. O trabalho tem sua continuidade com o mestre Cláudio Paulista, que devido a falta de apoio e interesse, desativa a prática da capoeira na Paraíba na Década de 80.
Passados quase 10 anos de silêncio, a capoeira começa a ressurgir (parece que agora é prá ficar), através da Associação Brasileira de Capoeira Palmares, com sede em Salvador -Bahia.
Com um estilo de trabalho muito arrojado, o mestre Norival dos Santos- mestre Nô, líder da Palmares,  implanta o seu trabalho em Campina Grande através do hoje mestre Sabiá, passando a ganhar respeito e interesse por parte dos interessados na prática da capoeira. Mestre Nô com um estilo simples, mas com muita disciplina, vem conquistando de forma espetacular, o interesse das pessoas na prática da capoeira angola na Paraíba.
A filosofia do trabalho do mestre Nô é fazer um atividade cultural e educativa, desmitificando assim, a visão errônea que é atribuída a capoeira pela sociedade de modo geral, e os grupos a ele filiados, estão dando passos importantes no resgate do estudo e prática da capoeira na Paraíba.
Como exemplo, temos os grupos Badauê de Palmares com mestre Sabiá e seus alunos espalhados por todo estado e Grupo Cultural de Capoeira Palmares com mestre Naldinho-em João Pessoa.
Um outro fator importante a se registrar aqui com relação ao trabalho do mestre Nô, é a formação de capoeiristas no grau de mestre, como é o caso do mestre Sabiá, remanascente dos antigos capoeiristas e mestre Naldinho.
Na história da capoeira na Paraíba, não se tem conhecimento da formação de um mestre de capoeira atuando no seu próprio Estado, como é o caso de Sabiá e Naldinho, o que com certeza irá engrandecer o leque de adeptos pela capoeira e firmar a Paraíba no cenário nacional da prática de capoeira, o que a 10 anos atrás não se podia contar com isso. Acreditamos nisso!.

IV – GRUPO DE CAPOEIRA LUA DE PALMARES

Propósitos do grupo quanto a cultura O Grupo Cultural de Capoeira Lua de Palmares, foi criado em 02 de julho de 1990 nas dependências do Serviço Social do Comércio-SESC, sob a orientação do  aluno do mestre Sabiá-Rafael Magnata. A principio, o mencionado instrutor, fora contratado pelo SESC para ministrar aula de capoeira aos componentes do grupo de dança- Tenente Lucena, mas, como atrativo foi aberto a comunidade a participação no grupo de capoeira.
Rafael Magnata, por ser um conhecedor nato da cultura afro, implantou um sistema de cultura através da capoeira, até porque, é proposta da própria Associação Brasileira de Capoeira Palmares, trabalho que projetou o grupo na sociedade paraibana, recebendo convites de escolas e entidades civicas-culturais para apresentação do grupo.
Em 1992, o SESC revoga o direito do grupo atuar em suas dependências, alegando que o grupo não atendia as proposta da entidade. A partir daí, o grupo passa a ter um outra postura. Sem teto para exercer as suas atividades, reduz se a proposta inicial, até por falta de espaço, mas apesar de todos esses atropelos, o grupo se manteve firme no propósito de fazer um trabalho educativo junto a comunidade carente, dando  essa forma um outro contexto a história da capoeira na Paraíba.

V – O QUE É ÉTICA ?

A Ética pode ser o estudo das ações ou dos costumes, e pode ser a própria realização de um tipo de comportamento. Entretanto, ainda nos é obscuro o comportamento de antigas civilizações, assim como seus conceitos de bem, valor, liberdade, Lei e outros.
O processo de desenvolvimento das civilizações  trouxeram muitas mudanças nos conceitos Éticos aplicados à sociedade; com isso "não são apenas os costumes que variam, mais também os valores que os acompanham, as próprias normas concretas, os próprios ideais, a própria sabedoria de um povo a outro.
Os ideais Éticos variam muito, podemos ver no transcorrer da história. Para alguns gregos o "ideal estava na busca teórica e prática da idéia do bem ou estava na felicidade- entendida como uma vida bem ordenada, uma vida virtuosa, onde as capacidades superiores do homem tivessem a preferência".
Para os cristãos o homem viveria para servir a Deus, diretamente, e em seus irmãos; já no período renascentista ou iluminista, ou seja, entre o Século XV e XVIII os burgueses tinham como ideal de uma vida ética "viver de acordo com a própria liberdade pessoal e em termos sociais, o grande lema foi o dos franceses: liberdade, igualdade e fraternidade".
Atualmente, o sistema capitalista é um fator influenciador da ética social, enquanto os pensadores de existência insistem em ter a liberdade como um ideal ético "em termos que privilegiam o aspecto pessoal ou personalista da ética: autenticidade, opção, resoluteza, cuidado etc", e que a maioria dos países ricos buscam a ética do prazer, muitas vezes sem moderação, o mesmo capitalismo reduziu-se à posse material de bens, ou à propriedade do capital".
No entanto este comportamento ético hoje, talvez não vigore como deveria pois há uma forte influência dos meios de comunicação de massa, dos aparatos econômicos, do Estado e das ideologias que nem sempre são de maioria, fazendo com que não haja cidadãos conscientes, e homens livres de pensar e agir. Suas atitudes tornam-se restritas ou impostas por quem detêm o poder; não há um desenvolvimento crítico. O comportamento ético é manipulado na maioria das vezes por termos cidadãos incapazes de julgar e participar conscientemente.
Com isso os maiores problemas éticos de hoje, são em torno da eticidade, ou seja, família, sociedade civil e Estado-a ética não pode ignorar esses fatores. No contexto da família, podemos verificar que "as transformações histórico-sociais exigem hoje, éticas sobre o relacionamento dos pais com os filhos" e isso se dá com a forte influência dos meios de comunicação e, também, o desenvolvimento da mulher na sociedade, assim como outros grupos oprimidos e isso exige uma reformulação ética diante da sociedade de hoje.
A questão ética em relação a sociedade civil não engloba somente a consciência e o comportamento de cada indivíduo; ela está relacionada com o julgamento do sistema econômico e social como um todo.
"Em relação ao Estado, os problemas éticos são muito ricos e complexos", diante da desigualdade social onde quem detêm o poder é quem possui o saber e conseqüentemente "a liberdade do indivíduo só se completa como liberdade do cidadão de um estado livre e de direito". As Leis, a Constituição, as declarações de direito, a definição dos poderes para evitar abusos, e a própria prática das eleições periódicas aparecem hoje como questões éticas fundamentais.

VI – ÉTICA NA CAPOEIRA

"A partir do momento que se corta as raízes como irá se perpetuar a espécie?" (Mestre Nô-ABCP-Ba).
O estudo da Ética na capoeira se faz necessário tendo-se em vista o propósito que a Capoeira Palmares vem implantando na Paraíba e no Brasil.
Partindo deste conceito de ética que diz "ser o estudo das ações ou dos costumes e pode ser a própria realização de um tipo de comportamento, podemos por meio de uma análise histórica e atual, fazer um estudo do contexto ético na capoeira.
O capoeirista, como sabemos, sempre foi alvo da marginalização, já que a capoeira foi crime previsto pelo Código Penal da República e seu simples exercício na rua davam até seis meses de prisão. Mas para fugir deste conceito o baiano Manoel dos Reis Machado, conhecido como Mestre Bimba, inovou a capoeira e criou, também, um código de ética rígido que exigia até o ato da higiene pessoal.
Não só Bimba, mas os capoeiristas em geral que trabalharam para o crescimento e valorização dessa arte, sempre buscaram métodos eficazes para bem desenvolvê-la.
Um dos princípios fundamentais, em comum à capoeira Angola e Regional começa com quem joga. Este tem de cumprimentar o parceiro "ao pé do berimbau", quer dizer, agachados perto do instrumento que dará o ritmo dos golpes. Ambos devem estarem limpos, "devidamente trajados", e jamais sem camisa. Deve-se  procurar a harmonia, na qual um movimento de defesa  já é o começo de outro, de ataque, sem ferir o companheiro. Os oponentes não se atracam, mas lutam "por aproximação", respeitando a hora de entrar e sair da roda. E ninguém deve aprender capoeira para sair batendo nos outros. Já dizia o mestre Pastinha que "capoeira Angola é, antes de tudo, luta e luta violenta". Com isso a tática do bom capoeirista sempre foi de se fazer de fraco diante do oponente, tornando em luta violenta no momento certo, mas perigosa sempre.
Com o passar dos anos a luta brasileira tornou-se um pouco mais "respeitada", foi reconhecida pelas  autoridades e divulgada pelo mundo, em contrapartida, inova em sua expressão. Muitos grupos descaracterizaram a capoeira, desincorporando seu jogo ou luta das raízes que até pouco tempo a classificava como uma manifestação folclórica. Mas todo este quadro deixou a capoeira numa situação de conflito sem igual: se mantida e ensinada apenas como manifestação cultural, sem nada acrescentar, provavelmente ela estagnará e não terá sua merecida difusão; se evoluir de maneira desenfreada poderá descaracterizar-se.
Ainda existem alguns mestres que ensinam a seus alunos a luta e impõem à disciplina, o seu ensinamento como uma manifestação de nossa cultura, mesmo assim, muitos adeptos da capoeira a buscam, apenas para cultuar a forma física ou porque é moda. Eles esquecem, e creiamos nós que alguns mestres também, que "capoeira é um diálogo de corpos, "eu venço quando o meu parceiro não tem mais respostas para as minhas perguntas" (Mestre Morais).

O resultado desta nova identidade da capoeira, desvirtuada de suas raízes, são os campeonatos e "vale-tudo". Eles provocam uma enorme evasão nas academias, pois acabam desistimulando o aluno que quer treinar e que busca, na luta brasileira resistência e luta. A capoeira é única, mas nestas competições ela perdeu o estilo da própria luta.
A falta de metodologia de ensino e o desinteresse em aperfeiçoar o conhecimento sobre a arte são os principais motivos apontados por professores e mestres do grupo Palmares. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Capoeira Palmares, mestre Nô, a "questão ética na capoeira está um self-service", onde cada um faz o que quer, deixando para trás toda cultura que a capoeira carrega.
Outro fator de peso no desenvolvimento da capoeira é a sua divulgação na mídia. Com isto ela recebeu novos adeptos, se apresentou aos desconhecidos e conquistou um pouco mais de respeito e confiança. Por outro lado, este crescimento desorganizou toda uma estrutura de trabalho, o que antes era voltado para a conscientização e preservação dos costumes, hoje é  dirigido para performance e/ou vale-tudo. Mesmo com toda esta transformação, ainda não foi extinto pela sociedade o preconceito por aqueles que praticam capoeira. De acordo com o professor Henrique (Kiluangi de Palmares) "nós podemos ter acesso à mídia, isso não é negativo; mas para conseguirmos tirar essa imagem marginal é preciso mostrar que a capoeira realmente mudou, que é uma arte unificada com as camadas sociais, que ela é uma arte do mundo e não de uma região, cidade ou bairro. E para isso, os professores, os instrutores os mestres, ambos tem que passar informações por meio de uma didática-metodologica-que busque disciplinar e formar seus alunos, sem perder o espaço na sociedade e nem enterrar esta cultura de mais de 300 anos".
O ingresso da capoeira nos jogos olímpicos é outra grande conquista, mas preocupa muito. Na pesquisa realizada com os mestres de capoeira tanto angola como regional, no 5?? batizado e troca de cordéis do Grupo Cultural de Capoeira Badauê de Palmares, em março de 1997, verificamos que todos os entrevistados estão a favor desse novo passo mas,ao mesmo tempo, preocupados com as regras que irão prevalecer e, principalmente, com a formação do capoeira. Muitos professores são contra e alegam que "a partir do momento que ela entra em competição, seus adeptos deixam de fazer a parte histórica e cultural da capoeira" para desenvolver o lado agressivo, o que poderá acarretar em "um companheiro querendo destruir o outro por causa de uma medalha", conforme afirmou o mestre Naldinho.
Após conquistar seu espaço e reconhecimento pela  maior parte da sociedade brasileira, a capoeira atingiu uma das áreas fundamentais de necessidade humana e social-a educação. Ela faz parte do currículo em diversas escolas e universidades do país e do mundo. Este ponto é fundamental e gera muitos debates nos grupos, onde, ensinar capoeira é muito mais que fazer um aú ou dar uma chapa de angola. Os experientes professores e mestres acreditam que as escolas e universidades, ao selecionarem seus discentes, devem buscar nestes qualidade, orientação, metodologia, responsabilidade e fundamentos, pois estes são elementos fundamentais para que se ministre uma verdadeira aula de capoeira.
Contudo, esperamos que esse novo contexto histórico-social seja analisado e direcionado para o cumprimento legítimo das atividades da capoeira e que seus adeptos saibam destinguir a ética da estética, assim como a responsabilidade de mais um modismo social.
A ética se tornará real a partir do momento que os capoeiristas forem conscientes e empenhados na valorização e preservação dessa arte que encanta o mundo inteiro.

VII – CAPOEIRA MULHER

"Eu não gostaria de olhar o jardim somente com espinhos… É muito bom ter uma rosa no jardim"

(Mestre Nô-ABCP-BA).

A eterna batalha feminina de conquistar seu espaço já atingiu as "rodas de capoeira" do Brasil e do mundo. O número de capoeirista sempre foi inferior aos dos homens que praticam esta arte. Na década de 40/50 poucas mulheres jogava, entre elas destacamos: "Nega Didi", "Maria Homem", "Satanás", "Maria para o bonde" e "Calça rala", todas alunas do mestre Bimba. Atualmente, principalmente depois da divulgação feita pela mídia, cresceu o número de praticantes tornando as "rodas de capoeira" mistas. Mas este aumento não significa que elas estejam realmente participando, vivenciando a arte da capoeira.
O conceito de frágil não deve ser atribuído as capoeristas; como disse mestre Tonico "a mulher é muito forte porque ela é quem lava, passa, ela cria, ela pari, e tem que ser tratada com carinho e atenção-não como uma pessoa frágil".
Com isso, ela tem sido vítima da discriminação por  ser mulher e não está sendo respeitada e reconhecida como capoeirista.
As músicas de capoeira são preconceituosas a partir do momento que colocam a mulher submissa como "se  dessa mulher fosse minha eu tirava da roda já,já, dava uma surra nela que ela gritava", ou as tratam como objetos sexuais: "mulher prá mim, tem que ser boa na escrita, tem que jogar capoeira, ser boa, gostosa e bonita, bicho bom é mulher". Na maioria das vezes este tipo de música só é cantada quando há meninas jogando na roda.
Isso está sendo recriminado por muitos mestres, principalmente, mestre Nô. Ele também recrimina a diferenciação no estilo de jogo que há no jogo de "um casal" na roda de capoeira. São atitudes paternalistas de proteção descabidas, pelos mestres/instrutores/alunos que ao jogarem com elas fazem um jogo cuidadoso e diferenciado do que fazem entre eles, achando sempre que por serem mais fortes fisicamente também o são capoeiristicamente, o que às vezes não corresponde a verdade.
Todo Bom capoeirista tem o dever de aprender e tocar os instrumentos que compõem a bateria da roda : berimbau,  atabaque, agogô-cantar e, principalmente, desenvolver seu jogo a fim de aprimorar a luta, o jogo, a dança brasileira. Por tudo isso a capoeira mulher tem que buscar seu espaço, caso contrário continuará sendo dito que "quem toca pandeiro é homem e quem bate palma é mulher" e elas não são enfeites de roda.
Outro problema em discussão é o relacionamento mestres/capoeiristas homens e alunas. "A abordagem sexual às vezes, verdadeiros estupros de dignidade (também físico) ocorre tanto em academias/grupos do Brasil como de outros países. Mestres que não estão preparados e vindos de condições onde não tiveram oportunidade de projeção artística/cultural/social (às vezes também financeiras) sentem-se no direito de pensar, e agir, como se todas as alunas estivessem a sua disposição, causando com isso embaraços, traumas e revoltas que, muitas vezes levam boas promessas de capoeiristas a abandonarem a arte.
Mas isto não descarta, também, a necessidade que tem algumas alunas de cortejarem o mestre e/ou capoeirista do grupo ou academ ia. Isto se torna comum sob o ponto de vista humano, onde sabemos que a tendência é do homem e da mulher se unirem.
A realidade diverge muito dos fundamentos. Não há respeito, critérios e discrição nos relacionamentos, da mesma forma que um aluno, instrutor ou mestre vai a outros grupos/academias assediar as alunas, muitas delas entram na capoeira atraída pelo encanto de seus praticantes. Outras são verdadeiras caçadoras em eventos, assediando os capoeiristas visitantes, tonando-se vulgares.
"A mulher á buscando conquistar seus espaços mesmo porque é muito bom ter uma rosa no jardim-agora, também, precisa fazer com que haja uma disciplina, haja uma informação para ambos os sexos, para que não venham confundir as coisas", disse mestre Nô.
Sabemos que este tipo de comportamento não será modificado do "dia pra noite", mas cabe aos instrutores, professores e mestres disciplinar e orientar seus alunos (as) em relação a este tipo de fato e direcionar suas aulas de forma educativa e profissional, a fim de que a capoeira não perca tantos adeptos por causa de pessoas mal intencionadas que não buscam o exercício e conhecimento da cultura brasileira mas sim, denegrir sua imagem por meio de atos sem respeito a toda uma filosofia cultural e fundamentos básicos.
Porém, é importante lembrar que os grandes mestres como: Bimba, Pastinha, Cobrinha Verde, Valdemar, Maré, Noronha, entre outros, jamais fizeram músicas achincalhando qualquer mulher, muito pelo contrário, elogiam sempre.

  • http://www.bahianet.com.br/gunga/
  • ALMEIDA, Raimundo Cesar Alves de- A Saga do Mestre Bimba-Salvador – Ginga Associação de Capoeira, 1994.
  • Durkheim, Émile: Sociologia:Organizador: José Albertino Rodrigues-7a edição-São Paulo-SP-1995.
  • MOURA, Jair Mestre Bimba: A Crônica da Capoeiragem – Fundação Mestre Bimba, Salvador; 1991
  • QUEIROZ , Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. Série Princípios, Ed. Ática, 1987.
  • VALLS, Álvaro L.M. O que é Ética. Ed. Brasiliense, 8a edição, 1994.
  • OUTROS:
 
Patricia Morais – João Pessoa/PB – Outubro/97

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