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O Modismo da UFC e a Capoeira

Hoje em dia só se fala em UFC (Ultimate Fighting Championship). Essa luta oriunda do Jiu-Jitsu e outras formas de luta-livre foi criada pelo brasileiro Rorion Gracie nos Estados Unidos e por lá se desenvolveu. Atualmente vemos UFC em todos os lugares: horário nobre da televisão, jornais, telenovelas, capas de revista, transmissões ao vivo, comerciais de TV, outdoors espalhados por todo o país. Até um filme para o cinema foi produzido e tem estréia marcada para breve.

Todo mundo já conhece e sabe o nome dos golpes, as finalizações, o mata-leão, a gravata, os socos e pontapés. Já temos os nossos heróis – Minotauro, Anderson Silva e outros “brucutus” – que espancam os seus adversários sem dó nem piedade num espetáculo tão dantesco de brutalidade, que chega a respingar sangue das telas de LCD que assistimos confortavelmente de nossos sofás.

É incrível a capacidade que a mídia possui nas chamadas “sociedades da informação”, de criar modismos, heróis, gostos e preferências. Até há pouco tempo essa luta era apenas mais uma atração esportiva perdida entre milhares de outras nos canais fechados de televisão a cabo e, de repente, de uma hora para outra, passa a ser a nova “paixão nacional”. Alguém – certamente muito poderoso – decide de seu gabinete de gerência de alguma grande rede de televisão que o UFC é a bola da vez e pronto !

Todo um esquema é montado para que essa luta apareça em tudo quanto é programa, novela e comercial de TV. E como o nosso pobre país é totalmente influenciado por tudo que a telinha resolve mostrar (vide a mediocridade do Big Brother Brasil – um insulto à inteligência e à dignidade nacionais), rapidamente o UFC é incorporado ao nosso cotidiano, às conversas de bar e de salão de beleza, ao noticiário, aos sonhos infantis de futuros campeões da modalidade.

Aí chegamos naquela pergunta que não quer calar: por que não a capoeira ? Por que essa esquizofrenia de exaltar uma luta que apesar de ter sido criada por um brasileiro, tem toda a sua formatação e organização influenciada pela cultura norte-americana do show business ? E por que ao invés disso, não se criam os mesmos espaços na mídia e mecanismos de divulgação para a capoeira, que é uma das expressões mais legítimas da nossa cultura ?

Será que os responsáveis pela televisão e pela mídia em geral do nosso país ainda possuem aquela velha mentalidade colonizada, que procura supervalorizar expressões culturais que vem de fora (leia-se Estados Unidos da América) em detrimento daquilo que vem das tradições da nossa cultura e do nosso povo ? Ou será que trata-se de uma atitude deliberada de alienar cada vez mais o nosso pobre e sofrido povo brasileiro, afastando-nos a possibilidade de valorizarmos e conhecermos melhor nossa própria cultura, nossas tradições, nossos verdadeiros heróis ? Ou será que é tudo isso junto, somado ao desejo desenfreado pelo lucro fácil ?

Recentemente perdemos um dos grandes baluartes da capoeira aos 94 anos de idade – o Mestre João Pequeno de Pastinha que faleceu em dezembro último, e qual a repercussão desse fato na mídia ? Nos jornais locais da Bahia houve uma pequena cobertura e nada mais. A grandeza desse homem, o seu significado para a cultura brasileira que se espalhou pelo mundo através da sua capoeira angola, sequer tiveram um mínimo espaço de divulgação no noticiário nacional.

Boa parte dos cidadãos comuns, brasileiros de todas as idades e classes sociais, hoje em dia sabem o que é o UFC e quem são Minotauro ou Anderson Silva. Mas quantos desses sabem que foi o mestre João Pequeno ? Quantos sabem quem foi Pastinha ou Bimba ? Quantos conhecem a história da capoeira ? Quantos sabem dizer as diferenças entre a capoeira angola e a regional ? Ou quem foi Besouro Mangangá ? Ou ainda Zumbi dos Palmares ? Ou o mestre Salustiano da Rabeca ? Ou Cartola ? Ou Batatinha ? Ou Chico Mendes ? Ou Clementina de Jesus ? assim como tantos e tantos outros personagens da nossa cultura popular, heróis que deram dignidade à história desse pais.

Urgente se faz recuperar nossa auto-estima, exigir que nossa dignidade, nossa memória, nossas histórias, nossos verdadeiros heróis sejam valorizados e respeitados. Nada contra o UFC, nem seus lutadores, eles que tenham o seu espaço e seu público ávido por violência. O que precisamos exigir é que nossa cultura seja tratada pela mídia, com a mesma dignidade e valorização com a qual são tratados esses modismos que vez por outra invadem nossas casas, através da imposição sem critérios de uma programação medíocre e indecente que nos empurram goela abaixo.

Precisamos dispor de alternativas para elegermos aquilo do que gostamos e que valorizamos. Se só nos apresentam um tipo de música, de filme ou de programa de TV, é só disso que podemos gostar. Ninguém pode gostar daquilo a que não tem acesso, que não conhece. A gente quer ver a nossa cara na TV, ouvir música boa, assistir a filmes que nos façam pensar. A gente quer jogar e entender de capoeira. A gente não quer só comida !

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