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RJ: Capoeira volta ao Valongo

Após mais de um século enterrado, cais onde escravos aportavam no Rio de Janeiro vira ponto de encontro de roda de capoeira com projeto de difusão cultural e ensino de História

Cultura africana, memória dos escravos, arqueologia e ensino de história. Tudo isso reunido em uma roda de capoeira em uma das áreas mais representativas para os negros da região Sudeste, o Cais do Valongo. Essa é a proposta do Grupo Kabula, que realiza neste sábado (17), às 10h30, sua quinta roda na zona portuária do Rio de Janeiro.

Partidários do estilo de capoeira Angola, os participantes promovem o trabalho desde junho, em parceria com outras rodas que já aconteciam no Centro da cidade. Carlo Alexandre Teixeira da Silva, mestre de capoeira e organizador do evento, explica o cunho educativo e cultural das rodas, que acontecem mensalmente: “A gente decidiu pensar a ocupação do espaço público, pensar o Rio e este momento desenvolvimentista que estamos vivendo”.

“A roda é importante para falar sobre a história da cidade, especialmente as descobertas arqueológicas”, diz, referindo-se aos diversos artefatos e sítios que vêm sendo encontrados na zona portuária por causa das obras para a Olimpíada de 2016. Um desses locais desenterrados é o próprio Cais do Valongo, onde aportavam os escravos que chegavam ao Brasil até o século XIX.

Outras rodas tradicionais do Centro do Rio que se uniram à do cais foram a da Cinelândia e a da feira do Lavradio. “Queremos transformá-la em um pontão cultural, que integre vários grupos de capoeira. Um pontão onde possamos continuar esse movimento, oferecer oficinas paralelas e trazer a consciência crítica sobre o que está acontecendo na cidade”, comenta o mestre. O grupo Kabula tem uma ONG sediada em Londres, onde promove o intercâmbio cultural, levando as nossas raízes africanas para a terra da rainha: durante o verão, algumas rodas movimentam a capital inglesa.

 

Roda que vem de longe

A capoeira Angola, jogada nas rodas do Valongo, guarda fortes conexões com as raízes africanas: tem foco maior na dança e na ludicidade em detrimento à luta. É possível notar que o movimento é peculiar, diferente do estilo mais popular, conhecido como ‘Regional’. “Mal comparando [os dois estilos], é como se fosse o samba do morro e o pagode. O do morro é mais tradicional, usa elementos mais próximos às raízes africanas, assim como a capoeira Angola. Ela tenta não utilizar recursos de outras tradições, não usa lutas marciais orientais”, explica Mestre Carlo Alexandre. Segundo ele, isso a torna mais próxima da prática dos escravos na época do surgimento da dança. “Muda a forma de cantar, de jogar. Todo o ritual é mais complexo. Há um equilíbrio da parte dançante, teatral, marcial, cultural. Ela não é só luta”, conclui.

Mas a capoeira Angola não recebe este nome por ser originária do país africano. Mestre em História Social pela USP e integrante do Grupo Capoeira Santista, Pedro Figueiredo da Cunha lembra que o estilo só ganhou este nome em meados do século XX. E no Brasil mesmo.

Em 1928, Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, decidiu adaptar a capoeira e focar mais na vertente marcial, anunciando a criação da Luta Regional Baiana. Assim surgiu o estilo. “Ele queria mostrar a eficiência da capoeira em relação a outras artes marciais que estavam ganhando fama no Brasil, como o jiu-jitsu”, lembra o pesquisador. Antes disso, segundo ele, não havia um ensino metódico. As lições passavam de mestre para discípulo e podiam variar. “Ele enxergou uma necessidade de melhorar a metodologia de ensino para valorizar a capoeira como luta”, afirma. Em resposta ao movimento de Mestre Bimba, Mestre Pastinha – Vicente Joaquim Ferreira Pastinha – institucionalizou a capoeira tradicional com o nome de ‘Angola’, em 1941. Ele também criou Centro Esportivo de Capoeira Angola, que hoje é uma referência para os seguidores do estilo.

Mas não é preciso se prender a um estilo para praticar a dança ou luta. “Assim como em cada região tem um sotaque diferente, a gente também percebe isso no corpo. Muitas pessoas, para tentar se encaixar em um estilo, acabam ignorando o seu ‘sotaque corporal’. O principal seria cada grupo valorizar as suas raízes e procurar desenvolver um trabalho bem fundamentado para não virar nem uma cópia malfeita de outro estilo nem uma deturpação do que é a capoeira”, aponta Figueiredo.

Se no passado o Cais do Valongo foi considerado um lugar de sofrimento para os negros que chegavam acorrentados para uma vida de penúria no Brasil, agora se torna um ambiente de confraternização e celebração da cultura africana.

O cais fica na Avenida Barão de Tefé, Centro. Se chover, o evento acontecerá sob o elevado da Perimetral, na esquina da avenida. O tema da roda que acontece neste sábado será “O batismo de africanos adultos no recôncavo do Rio de Janeiro”, com apresentação pela professora Denise Vieira Demétrio, pesquisadora do assunto e doutoranda em História pela UFF.

 

Serviço:
Onde: Cais do Valongo, Avenida Barão de Tefé, Centro. Rio de Janeiro
Horário: 10h30

 

Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br

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