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Os Capoeiras e Sua Crise de Identidade

Os Capoeiras e Sua Crise de Identidade

Atualmente é comum encontrar alguma situação em capoeira com aspectos no mínimo “estranhos” a arte em si, pois vivemos um momento de gigantesca crise de identidade, considerando que uma parte significativa da comunidade deseja “colher, o que não plantou” e/ou imitar formatos culturais alheios a matriz de seu lugar, sem o devido “filtro” de pertinência ancestral e funcionalidade de cada tempo histórico. E o pior, não sabe ele, que imita o alheio, que por sua vez, está tentando imitar a matriz de seu lugar… Deu um “nó” na cabeça, né?! Então, trataremos a seguir de explicar sobre os elementos e exemplos da “metamorfose” cultural da capoeiragem e suas contradições relativas à afrodescendência.

Um aspecto inicial se apresenta na forma como alguns grupos e capoeiras se relacionam com os antigos mestres e mestras. Na maioria das vezes, convidam esses indivíduos para suas atividades e os transformam em meras “alegorias”, como uma espécie de quadro velho na parede. Via de regra, estes homenageados “ilustres” só servem para emprestar prestígio à instituição que os convida pela falsa noção de respeito a uma “ancestralidade”, que, “empoeirada”, precisa se “enfeitar” por uma lógica de modernidade, para sobreviver naquele local. Lamentável! Imagine!? Ele convida o mestre(a) porque é uma referência, respeitada no mundo da capoeira, mas ele mesmo, não sabe nem porque respeitá-lo!? Como fala Caetano: Triste, Bahia, oh, quão dessemelhante!”. O mestre é louvado apenas de forma “fake”, pois será usado/abusado como um “papel de presente”, mas não será a referencia no toque, canto, jogo e filosofia daquele contexto, que diz render-se com deferências ao mesmo… A-B-S-U-R-D-O!

Imagine aí comigo… O toque está extremamente acelerado, esmagando o balanço melódico do ijexá! O jogo está tão mecanizado, que se confunde com uma mobilidade grotesca de ginástica de solo, mal feita, diga-se de passagem! E as cantigas? Não refletem o cotidiano cultural local, mas sim, uma versão estereotipada de algum herói de quadrinhos do Ocidente… TRISTE REALIDADE… O que o capoeira do presente está deixando pro capoeira do futuro?

Às vezes, temos a impressão de estar em um tipo de “circo dos horrores”, em que vemos de tudo, ab-solu-tamente tudo, menos capoeira! E é, neste sentido, que a naturalização de tais aberrações tem contribuído para essa tal de crise de identidade. Estamos vendo em nossas frentes o processo de pasteurização da cultura. Sabe quando pegam o leite direto da vaca e passam na máquina pra matar os microorganismos que podem fazer mal a saúde humana? Pois é, o problema é que matam todos os microorganismos, maus e bons, deixam o leite sem vida! Estão fazendo isso com nossa capoeira, retirando-lhe a riqueza, criando protótipos atléticos e esvaziando o axé – energia vital. Cuidado capoeira, a arte não pulsa em um “fazer” desprovido dos cuidados necessários com os princípios estruturais do saber dos antigos em nós.

Algumas pessoas em capoeira vivem “fantasiados”, literalmente, utilizando indumentárias de traço afrodescendente, cortes de cabelo, adereços religiosos, mas concretamente, desconhecem a simbologia dos signos que carregam, ou seja, porquê os nossos antepassados os carregavam no pescoço, nos braços e em suas mentes. E pior do que isso, não acreditam nem vivem o cotidiano de tal simbolismo, ou seja, o patuá virou enfeite no pescoço, mas não fecha o corpo que nem consciência de si possui. A argola na orelha esquerda virou artefato sensual, a bata virou camisa da moda e as contas, ah as contas, são compradas no armarinho do pelourinho, sem a devida compreensão do seu vínculo com o axé e, conseqüente, energização do corpo. Em interpretação diferente, parafraseio o mestre Pastinha para falar da compreensão cultural destes/as capoeiras: Eles não estão sentindo, absolutamente, NADA!

Por fim, falar de algumas capoeiras que, em crise de identidade, imitam uma capoeira de fora do seu lugar, sem saber que, em muitos casos, o que o de fora faz, se espelha, ou tenta se espelhar, na capoeira do seu lugar. Que brincadeira de picula, hein meus camaradas?! Não seria mais fácil olhar pra dentro? Olhar pra sua terra, olhar para o cotidiano de seus antigos, as referências do seu lugar? Sentir os porquês do balanço no caminhar daquela mestra antiga? As nuances do “jiká” nos ombros daquele mestre? Os porquês do contrapasso na ginga do mestre, que “dá um nó nas pernas” do companheiro de jogo… Enfim, Abrolhos!

O desafio é flertar com a modernidade, sem deixar a ancestralidade sair de nós. Fica a dica!

Axé!

Ei, psiu! Gostou? Então compartilhe, ajude a nossa capoeira a refletir!

Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin

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