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O Mandingueiro na Capoeira

O Mandingueiro na Capoeira

Para compreender melhor sobre o “mandingueiro na capoeira” hoje em dia, precisamos fazer um mergulho na história com o objetivo de entendermos mais sobre a origem deste termo e discutir se a compreensão atual tem fundamento. A seguir trataremos mais sobre mandinga na capoeira.

Vamos então voltar no tempo, bem lá atrás, com a chegada dos “Malês” (hauçá málami, “professor”, “senhor”, “imale” no ioruba, “muçulmano”). O termo Malê era usado em nosso país, do século XIX, para designar os negros muçulmanos escravizados, que chegaram ao Brasil no final do século XVIII. Vale ressaltar que os Malês eram diferenciados, pois em sua grande maioria, eram bilíngües, dominavam a ciência matemática, eram hábeis comerciantes, extremamente articulados politicamente, conhecedores da escrita alfabética e, muitas vezes, superiores intelectualmente aos seus escravizadores.

Dentre os Malês, queremos chamar a atenção para um grupamento conhecido como “Mandingos”, também chamados de Maninka, Manding, Mandenka e Mandinko. Esses indivíduos são um grupo étnico oriundo da África ocidental, remanescentes do antigo Império do Mali, o qual foi fundado no século XIII, pelo Mansa Sundiata Queita. Assim, quando escravizadas para a Bahia, essas pessoas tinham o costume de estarem sempre juntos aos seus e de carregarem no peito um cordão com um pedaço de couro enrolado, com inscrições de trechos do Alcorão dentro. Neste sentido, quando os negros de outras etnias observavam os Mandingos, por não saberem do que se tratava aquele objeto pendurado, intuíam que era uma espécie de “magia” ou “feitiço”, passando a reconhecer esse artefato como um “amuleto” e a chamá-lo de patuá.

Primeiro dizer o quanto interessante é saber da origem das coisas e fatos. Os mandingos eram pessoas com destacada fé religiosa, que carregavam sua crença no pescoço, mas não eram mágicos nem feiticeiros. Você vê como o olhar do outro pode atribuir características a nós, que nem sempre são de fato nossas. Provavelmente, aconteça isso com você também.

Essa interpretação “diferente” do real intuito dos Mandingos sobre o que seria o “Patuá”, fez com que, ao longo dos anos, o sentido da palavra assumisse significados outros, sendo, atualmente, um tipo de amuleto muito utilizado por pessoas ligadas as religiões de matriz africana, feito de um pequeno pedaço de tecido na cor correspondente ao seu guia no plano espiritual, com o nome da entidade bordado e colocado em um determinado preparo de ervas e outras substâncias específicas, para cada caso. Assim, nesta metamorfose de significação cultural na Bahia, os capoeiras antigos que carregavam seus amuletos – Patuás, passaram a ser reconhecidos como “mandingueiros”, ou seja, seriam “magos” ou “feiticeiros” que dominavam os segredos do mundo espiritual, sendo tudo isso também atrelado a determinadas características, que vão da forma de vestimenta/indumentária até os trejeitos de mobilidade no jogo da capoeira.

Mais uma vez pergunto, é assim mesmo? Todo(a) capoeirista que carrega no pescoço um adereço que parece “patuá”, batas com tecido africano, é mágico? É feiticeiro? Conhecedor dos fundamentos religiosos? Ou pode ser um “capoeira fake”? “Fantasiado” para que os desavisados assim o reconheçam? Só sei que é preciso muito mais do que penduricalhos e adereços, para nos transformar em conhecedores de um fundamento. O fundamento ou o conhecimento de qualquer coisa na vida deve ser primeiramente sentido, vivido, deve fazer parte de nós como no caso dos mandingos com seu Alcorão, para assim ser identificado pelo olhar atento de terceiros.

O problema real é que hoje estamos vivendo em tempos estranhos. O aluno que entra na minha sede só quer aprender o “belo”, o fácil pra ele. A gente chama pra ir num evento de um mestre antigo, ele esquiva do convite, pois, ou tem uma festa ou programa mais interessante, ou ele não gosta do evento, pois é chato ter que ficar horas junto do mestre que só quer falar, não deixando ele jogar toda hora, como deseja. A capoeirista mal chega já pergunta quando vai ganhar corda de formada? E quando você fala sobre o que ela precisa aprender pra chegar lá, ela diz: Poxa, demora muito! E sai da academia com outros projetos, que não mais a capoeira… As coisas estão mesmo estranhas.

Outro dia, ouvi falar de uma tal de “modernidade líquida”, termo criado por um senhor chamado Balman, que dizia que as relações hoje estão frágeis, e que toda a estrutura social sólida está desmoronando, desconstruindo todos os moldes tradicionais e valores presentes, volatilizando a ação do indivíduo que abandona suas referências. E não é que isto está acontecendo mesmo? Capoeirista quer o “like” do Instagram, não importa de quem e como seja conquistado. Prefere convidar para o evento e pagar o cachê astronômico do famoso “Zé Ninguém” que está nos seus 15 minutos de fama, do que honrar nossa ancestralidade convidando a mestra antiga, que já não “pula tanto”, mas que conhece de todas as fases que um capoeirista passou e passará vivendo desta arte. As coisas estão mesmo estranhas.

Lembrei-me de mestre Buguelo da Bahia cantando:
“Ai Deus, ai mundo
Quem não sabe nadar, vai ao fundo”

E neste emaranhado de estranhezas, prefiro me curvar à lógica de um “patuá” preenchido com fé material/imaterial, negando a embalagem bonita de algo oco e vazio, para ‘inglês ver”…

E você, quem é? Alguém de Asé, ou mais um Oco da parada.

Axé!

Ei, psiu, gostou? Então compartilhe, ajude a capoeira a refletir.

Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin

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