Acúrsio Esteves

A Capoeira Como Atividade Terapêutica: Novas Possibilidades de Reabilitação.

O Professor Acúrsio Esteves, nos envia esta importante matéria onde o autor da ênfase a importância da capoeira como ferramenta de inclusão social e arma de cidadania e reabilitação…
Gostaria de deixar uma ressalva à importância dos trabalhos que diversos Mestres "educadores" vem desenvolvendo dentro desta abordagem: Capoeira na 3ª idade – Capoeira para deficientes – Capoeira Cidadã…
 
Luciano Milani

No final da década de 60, nos Estados Unidos, atividades artísticas começaram a ser aplicadas na recuperação de pessoas portadoras de necessidades especiais. A ONG Very Special Arts, por exemplo, trabalha no sentido de integrar essas pessoas ao mercado de trabalho valendo-se das técnicas artísticas. O principal elemento proporcionado por estas atividades e que, às vezes, não são encontrados no tratamento convencional, é a motivação. Sessões de Fisioterapia, que se prolongam por meses se forem conduzidas de forma mecânica e impessoal, como felizmente está deixando de acontecer, além de serem um tormento para estas pessoas, não irão despertar nelas satisfação no que fazem e, conseqüentemente, funcionará como um fator limitante para os seus progressos. A grande vantagem dessas formas alternativas é que o paciente não costuma vê-las como uma atividade terapêutica, mas como uma oportunidade lúdica, prazerosa, com uma gama incrível de possibilidades de auto-superação em que seus progressos são mais facilmente quantificáveis.

Nessas atividades também se insere a capoeira, pois ela é uma manifestação artística multifária que engloba, por conseguinte, em uma só atividade, elementos variados que não se encontram juntos em outra manifestação artística. Ela trabalha a sensibilidade, o intelecto e a afetividade através do mais importante referencial de vida do ser humano: o seu corpo. Em relação ao desenvolvimento motor, ela sugere movimentos que alternam alongamento, contração, relaxamento e explosão (força x velocidade). Esses movimentos influenciam no tratamento regulando o tônus muscular, melhorando diretamente o equilíbrio dinâmico e recuperando indiretamente o equilíbrio estático; vão deixar em estado de alerta os sistemas de proteção, ajudando na prevenção de acidentes como quedas e diminuindo as atividades exacerbadas dos hipercinéticos. Ela auxilia também na percepção tempo espacial dos deficientes visuais, ajudando no desenvolvimento dos seus sentidos remanescentes, diminuindo o nível de agressividade de portadores de alguns problemas mentais, permitindo assim uma melhora significativa na qualidade de vida e do desenvolvimento físico. Além dessas, muitas outras vantagens poderiam ser citadas.

Cada movimento realizado, cada limitação superada, cada novo aprendizado assimilado e cada etapa atingida e vencida representam uma vitória tamanha e um grau de satisfação tão grande para estas pessoas que talvez nós, “perfeitos”, não tenhamos a capacidade de sentir. Por outro lado, cada dificuldade apresentada, cada obstáculo a ser vencido, representa o desafio da auto-superação e sugere tenacidade e autodeterminação.

 
Sob outra ótica, a possibilidade de cantarem, tocarem um ou vários instrumentos, superarem limites físicos através de movimentos que estimulam a sua coordenação psicomotora, conhecerem com mais proximidade outras pessoas com graus diferentes de limitações ou normais, ajudá-las e por elas serem ajudados e conhecerem a história dos seus ancestrais, dentre outras possibilidades culturais é o cardápio oferecido em uma única atividade. As possibilidades de realização de pesquisas históricas relativas à capoeira e manifestações correlatas² podem contribuir para elas se expressarem através da escrita e incentivar o gosto pela leitura. O registro gráfico dos seus símbolos, sob a forma de desenhos através das suas diferentes técnicas, favorece também a expressão artística da pintura.

Sendo assim, como parte de uma equipe multidisciplinar, o profissional de capoeira, contribui de forma significativa para o tratamento de inúmeras deficiências, pois a referida atividade ajuda na inclusão social, no exercício da cidadania, aumenta ou desperta a auto-estima, aviva o espírito e enleva a alma. Ela é uma importante aliada aos procedimentos tradicionais adotados pela Fisioterapia, Terapia Ocupacional e pela Medicina.

Nessa perspectiva, o trabalho realizado pela Associação Cultural Corrente Libertadora é um bom exemplo de como essa proposta é viável. A Associação foi criada em 1976 pelos irmãos Maurício, Eufradísio, Eufrásio (Tigrão) e Magnólia; baianos de Floresta Azul, radicados no estado de São Paulo. Eles têm ainda o apoio da psicóloga Laura Maria Jorge Carvalho e mais 24 instrutores formando o seu grupo de trabalho, segundo matéria assinada por Letícia C. De Carvalho publicada na revista especializada Praticando Capoeira, ano 1 nº. 3.

O desenvolvimento do ensino da capoeira para este tipo especial de aluno exige uma atenção redobrada do professor. Para um melhor desenvolvimento da proposta, além de dever trabalhar com um número suficiente de auxiliares, é aconselhável que ele se qualifique bem através de cursos que sugerem a inclusão, geralmente dados por instituições públicas ou organizações do tipo APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), para poder prestarem um melhor atendimento.

A reabilitação nessa área geralmente é muito dispendiosa para os pais, por isso uma atividade lúdica, que possa acelerar o processo, vem dar uma contribuição importante também para se reduzir significativamente os gastos com o tratamento.
Faz-se necessário que a sociedade dispa-se dos seus preconceitos e aprenda como as crianças a aceitar as diferenças como algo normal, e que estas diferenças, devam servir para aproximar, ao invés de separar as pessoas. Nessa perspectiva, sugiro a composição de turmas mistas quanto ao sexo, graus de dificuldades e necessidades especiais em diferentes níveis, bem como a necessária presença de outros alunos que não as tenham.

* O professor e pesquisador Acúrsio Esteves, é formado em Educação Física pela UCSal, com mestrado em Gestão de Organizações UNIBAHIA/UNEB e é professor da Secretaria Municipal de Educação de Salvador. Leciona também nas Faculdades Jorge Amado e Fundação Visconde de Cairu, respectivamente nos cursos de Educação Física e Turismo, sendo também autor dos livros Pedagogia do Brincar e A “Capoeira” da Indústria do Entretenimento, de onde foi retirado este fragmento de capitulo. Aqui registramos a colaboração do colega Antônio Luiz Ferreira Bahia, professor de Educação Física do Instituto de Cegos da Bahia e da colega fisioterapeuta Maria da Conceição Souza.


Contactos: (71) 3233-9255 / 9946-4743
 
 

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