Aspectos didáticos e metodológicos no processo de ensino aprendizagem da Capoeira

Graduado em Educação Física pela UniFMU
Pós-graduando em Fisiologia do Exercício pela UNIFESP
Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Formação Profissional no
Campo da Educação Física – NEPEF – UNESP.
Campus de Rio Claro
Thiago Vieira de Souza
[email protected]
(Brasil)
 
estagiário do Grupo de Capoeira Arte do Revide
1. Introdução
 
    Atualmente, a capoeira é reconhecida e praticada mundialmente por um número incalculável de pessoas, devido aos seus múltiplos enfoques, como a luta, dança, arte, folclore, esporte, educação, lazer e o jogo. Cada vez mais tem aumentado a procura de sua prática pela população, independente de classes sociais. São pessoas de ambos os sexos e de idades variadas, sobretudo crianças, jovens e adolescentes. Diante desta situação, cada vez mais é necessário que haja profissionais competentes e conscientes sendo responsáveis pelo processo de ensino dessa modalidade esportiva.
 
    O presente projeto desenvolveu-se a partir da constatação dessa necessidade, tendo como foco principal investigar a importância e a utilização de conceitos didáticos por parte do profissional atuante na área da capoeira analisando atuantes no ensino da modalidade com e sem a formação profissional, apoiando-se nos conceitos da academia e da escola de ofícios. A intenção é promover reflexões sobre a necessidade de formação profissional para o ensino dessa prática, bem como verificar como são utilizados conhecimentos tradicionais e acadêmicos em seu processo de ensino-aprendizagem.
 
2. Revisão de literatura
 
    A origem da capoeira é incerta na literatura, sem registros que indiquem, com precisão, o país onde teve início. Esta é uma dúvida que até hoje divide folcloristas, etnógrafos e estudiosos no assunto, pois não há evidências da existência da capoeira ou qualquer outra forma similar à capoeira no Continente Africano. Em 1966, Inezil Penna Marinho, importante estudioso da história da Educação Física brasileira, esteve em Angola pesquisando a possível origem da capoeira, concluindo que essa atividade era inteiramente desconhecida por lá, quer entre os eruditos, quer entre os nativos.
 
    A situação dos negros escravos, aqui, no Brasil, e em seus países de origem era muito diferente. Lá, eram consideradas pessoas livres, aqui, eram dominados e forçados a trabalhar como escravos. O tráfico negreiro produziu incertezas na origem da Capoeira Angola, pois alguns mestres acreditam que ela tenha vindo da África. Outros afirmam ter sido criada no Brasil, pelos escravos africanos em ânsia de liberdade. Acredita-se que seja brasileira a sua origem mais provável, pois maior parte literatura pesquisada identificou estudos que levam a essa conclusão.
 
    Sabe-se que na África existia o "Jogo de Zebra" ou N’Golo, que era praticado com bastante violência e fazia parte de um ritual onde os negros lutavam num pequeno recinto e onde os vencedores tinham como prêmio as adolescentes da tribo. Este ritual, por sua vez, assemelha-se ao jogo de capoeira. Relatos apontam que, ainda hoje, existe um ritual semelhante na cidade de Katagun, na Nigéria.
 
    O grande motivo pelo qual se não consegue provar se a Capoeira é africana ou brasileira se deve ao fato de, no governo de Deodoro da Fonseca, o então Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, ter autorizado a queima de todos os documentos com relação à escravidão no Brasil, dizendo ser esta muito vergonhosa para o país. Porém, sabe-se que havia outras razões pelas quais Deodoro da Fonseca autorizou a queima desses documentos, mas tais razões permanecem sem uma versão oficial, provavelmente por terem origens em posicionamentos racistas dessa histórica figura.
 
    Os escravos trazidos pelo tráfico negreiro ao Brasil eram, em sua maioria, de Angola, pois eram considerados mais ágeis em virtude da estatura mediana, o que também significava melhor aproveitamento no trabalho. Entretanto, foi muito em virtude dessa agilidade que as fugas acabavam ocorrendo, com o conseqüente estabelecimento de comunidades nas matas que permeavam as propriedade e províncias brasileiras. O nome "CAPOEIRA" deu-se em virtude desse cenário, ou seja, os escravos que se instalavam nas matas, comumente denominadas "Capoeira". Para tentar recuperá-los, os senhores de engenho mandavam os capitães-do-mato, jagunços responsáveis pela captura, buscarem os escravos, que os atacavam com pés, mãos e cabeça, provocando-lhes ferimentos graves ou até matando-os. Aqueles que sobreviviam voltavam apenas para comunicar aos seus patrões que haviam sido pegos na "Capoeira", referindo-se ao local onde tinham sido vencidos.
 
    A Capoeira, no meio das matas, era praticada como luta mortal, já nas fazendas, era praticada como luta inofensiva, pois era vigiada pelos senhores de engenho e pelos capitães-do-mato. Foi a partir daí que se transformou em dança, pois precisava sobreviver para ser utilizada como luta de resistência. Com as fugas em massa das fazendas, a Capoeira se afirmava como arma de defesa no meio das grandes matas, onde se situavam os Quilombos.
 
    Em 1888, a Lei Áurea aboliu a escravidão no Brasil e em 1890 baixou-se um decreto sobre a imigração, que autorizava a entrada de africanos e asiáticos no país, mediante permissão do Congresso Nacional. À época, a prática da Capoeira foi incluída no Código Penal como ato criminoso, levando seus praticantes à pena de prisão e até mesmo à pena de morte. Mas, mesmo assim, essa prática sobreviveu e, mais tarde, transformou-se em parte integrante da cultura popular brasileira. Com isso, surgiram grandes mestres da Capoeira Angola, Manoel dos Reis Machado e Joaquim Vicente Ferreira Pastinha. Foi Joaquim Vicente quem escolheu a Capoeira como maneira de viver, praticando e ensinando a Capoeira Angola por muitos anos, tendo, também, fundado o Centro Esportivo de Capoeira Angola, em Salvador, Bahia. São fatos históricos como esse que levam a crer que foi no Brasil que a capoeira teve suas raízes formadas.
 
    Dos tempos da escravidão para cá, muitas mudanças ocorreram no mundo da capoeira, com inúmeras crises, proibições, liberações e perseguições. Atualmente, a capoeira é reconhecida e praticada, mundialmente, por um número incalculável de pessoas, devido aos seus múltiplos enfoques, como a luta, a dança, a arte, o folclore, o esporte, a educação, o lazer e o jogo. Porém, existem pontos a serem discutidos e melhor evidenciados, como o que se refere à prática de ensino dessa modalidade. Com a grande e crescente procura da população pela capoeira, faz-se cada vez mais necessária a existência de indivíduos responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem da mesma.
 
    O presente estudo desenvolveu-se a partir da constatação dessa necessidade, tendo como foco principal investigar a importância e a utilização de conceitos didáticos por parte do profissional atuante na área da capoeira, para que se compreenda se a modalidade é melhor desenvolvida com a utilização dos mesmos. O estudo também foi motivado pelo vínculo de seu autor por essa prática corporal, como praticante e orientador da mesma. Vem, também, da percepção de que, nos dias de hoje, o profissional de capoeira deve estar pronto no que se refere à utilização de conceitos didáticos como subsídios facilitadores para a sua prática de ensino.
 
    Segundo FONTOURA (2002), nos tempos da escravidão, a capoeira era praticada de maneira "clandestina", uma vez que era utilizada como arma de luta. MELLO (apud FONTOURA, 2002) afirma que, uma vez que essa prática era utilizada com arma de luta, os senhores de engenho passaram o coibi-la de forma veemente, submetendo à terríveis torturas todos aqueles que a praticassem. Com o passar dos tempos, os primeiros colonizadores perceberam o poder fatal da capoeira, proibindo-a e rotulando-a como a arte negra (SANTOS apud FONTOURA, 2002).
 
    BARROS (apud FONTOURA, 2002) relata que, em 1888, foi abolida a escravidão e muitos escravos foram largados nas ruas, sem emprego, o que os fez utilizar o ensino da capoeira como meio de sobrevivência. Em 1890, a capoeira foi considerada "fora da lei" pelo antigo código penal da República, com penalidade de dois a seis meses de prisão para quem ousasse praticá-la FONTOURA (2002). Diante desta situação AREIAS (apud FONTOURA, 2002) afirma que a mesma foi transformada em uma verdadeira luta acrobática, aperfeiçoada e mesclada de tantos artifícios quantos fossem necessários para safar-se das perseguições. A capoeira e os capoeiristas conseguiram atravessar esse período tempestuoso, chegando a ser reconhecida como esporte autêntico brasileiro, segundo palavras do então presidente, Getúlio Vargas, que liberou a prática desse esporte.
 
    A primeira academia que ensinou capoeira formalmente foi estabelecida por Manoel dos Reis Machado, o mestre "Bimba" (FONTOURA, 2002). CAPOEIRA (apud FONTOURA, 2002) diz que a capoeira possui dois estilos: o tradicional denominado "Capoeira Angola", e o estilo criado por Bimba, chamado "Estilo Regional".
 
    CAPOEIRA (apud FONTOURA, 2002) relata que Pastinha abriu sua academia alguns anos depois de mestre Bimba, e lá praticava o estilo tradicional que, para diferenciar da regional, passou a chamar de Capoeira Angola. Pastinha (apud FONTOURA, 2002) diz que o nome "Capoeira Angola" era em virtude dos escravos angolanos terem sido aqueles que mais se destacaram na sua prática. Esta modalidade assemelha-se a uma dança com "ginga" maliciosa, porém, antes de tudo, é uma luta violenta.
 
    Da necessidade de mudança surge o outro estilo, chamado "Regional", criado por mestre Bimba. ALMEIDA (apud FONTOURA, 2002) afirma que Bimba aproveitou-se de uma antiga luta existente na Bahia, chamada "Batuque". Segundo CAMPOS (2000), com a capoeira regional, Bimba suscitou uma nova abordagem pedagógica da capoeira: montou uma academia, estabeleceu aulas, lições, turmas de alunos com horários preestabelecidos. O método não mais se baseava na oralidade, mas já se utilizava da escrita em avisos, lembretes, códigos, gravuras e auxílios pedagógicos que compunham sua técnica de ensino. Para CAPOEIRA (apud GUIMARÃES, 2002), o método de ensino, os novos golpes e a nova mentalidade fizeram com que a capoeira "regional" de Bimba se diferenciasse muito da capoeira tradicional.
 
2.1. Metodologia e Didática de ensino
 
    Partindo-se da afirmação de CAPOEIRA (apud GUIMARÂES 2002), onde se afirma que o método de ensino fez com que a capoeira regional se diferenciasse muito da capoeira tradicional, observa-se uma tendência em se elevar a importância da utilização da didática e da prática de ensino no meio capoeirístico, MENEZES (1990) coloca a didática como um instrumento que contribui para o educador em sua prática, tendo como característica orientá-lo durante o processo de ensino aprendizagem, através de estudo planejamento, conteúdo, métodos e relacionamento professor-aluno. DAMIS (apud MENEZES, 1990) afirma que a didática, ao ser desenvolvida apenas para a operacionalização do ensino-aprendizagem, tem contribuído para desenvolver, no futuro professor, uma prática pedagógica conservadora, o que, segundo o autor, não é ideal que ocorra.
 
    Segundo JANUÁRIO (1981), os princípios pedagógicos que devem nortear a atuação do professor estão baseados em dois momentos de intervenção pedagógica: o primeiro diz respeito à fase prévia, que é a seleção e organização de objetivos, atividades de aprendizagem e conteúdos; o segundo é a intervenção pedagógica propriamente dita, como as grandes orientações do professor no contato direto com os alunos, a relação educativa, a motivação, a construção na ação, as operações de controle, a transferência, a criatividade e a verbalização.
 
    Quando citamos conteúdo de aula é importante ressaltar que não basta simplesmente haver um conteúdo, e sim verificar se o mesmo está adequado. JANUÁRIO (1981) coloca alguns critérios para a seleção e organização do mesmo, tais como: expectativa dos alunos, informação, integração, continuidade, e seqüência. Segundo o autor, é muito importante a utilização de um programa de ensino, pois o mesmo é a representação de todo o processo de ensino aprendizagem, de acordo com princípios pedagógicos.
 
    JANUÁRIO (1981) ainda coloca uma idéia de programa educativo, seguindo a mesmo raciocínio do estudo, que é dar importância à utilização de procedimentos didáticos. Como exemplo, pode-se colocar seu esquema de definição de objetivos didáticos, que é o professor possuir finalidades, alvos, objetivos gerais, específicos, comportamentais, e operacionais. Em seguida há a criação do programa em si, que se constitui de definição dos objetivos, escolha de conteúdos, determinação das capacidades e interesses dos alunos, determinação de metas de aprendizagem, escolha dos métodos e técnicas do processo de ensino-aprendizagem e técnicas e instrumentos de avaliação. Desta forma têm-se conhecimentos suficientes para se trabalhar aspectos físicos e motores, como também componentes sociais, culturais e psicológicos.
 
    Além da estrutura acima mencionada, GALVÃO (2002) ressalta como pontos importantes o feedback constante e apropriado, a interdisciplinaridade e comunicação dos objetivos. Através dessas informações, pode-se agir conforme preconiza TAFFAREL (1995), onde se afirma que é necessário avaliar critica e constantemente a produção de ensino.
 
    Por outro lado, é impossível prever todos os aspectos que podem interferir negativamente num processo de aprendizagem e os fatos inesperados que irão ocorrer no decorrer da aula. JANUÁRIO (1981) afirma que não se pretende que um programa educativo resolva tudo. Aliás, um mesmo programa educativo deve ter as necessárias adaptações, quer nas capacidades e interesse dos alunos, quer no contexto (condições materiais, instalações e equipamento). Segundo RESENDE (1988), ao transmitirmos conhecimento, ao desenvolvermos habilidades, deve formar atitudes positivas, sem as quais não haverá educação. A autora ainda ressalta um ponto importante, que é a relação professor-aluno, sendo esta de extrema importância para o sucesso de qualquer programa, colocando que o professor deve ser amigo do aluno e respeitado pela competência que, sem afetividade, afasta o aluno da matéria e do próprio professor. Daí a importância colocada por Galvão (2002), ao relatar sobre as características afetivas de um bom professor, como demonstrar interesse, entusiasmo, desenvolver laço afetivo com os alunos, manter clima agradável, respeitoso e amigável.
 
    Segundo RESENDE (1993), é muito importante a preocupação com o processo de ensino onde, pouco a pouco, este processo foi se transformando em algumas propostas, visando a melhoria do ensino. Segundo MENEZES (1990), o estudo da didática, para ser crítico, não pode ser conservador, não pode se restringir aos meios desvinculados dos fins sociais. O processo da análise didática deve prosseguir "para evitar a rotina pedagógica" e a superficialidade do processo de ensino, que não proporciona ao educando e ao educador a oportunidade de penetrar na essência dos fenômenos e dos objetos que compõem o ato educativo, para que, com essa análise, tenha finalidade de intervir buscando mudanças significativas para diferentes tipos de alunos.
 
    Segundo DRIGO e JUNIOR (2001), são raros os cursos de graduação em educação física que possuem, em sua grade curricular, alguma disciplina obrigatória ou optativa relacionada a lutas. Por isso, haveria certo distanciamento do profissional da área do universo cultural das artes marciais. Mesmo assim, essas artes são muito praticadas em locais como clubes, academias ou entidades esportivas, porém, em geral, ministradas por atletas ou praticantes com formação restrita e insuficiente, fazendo com que os mesmos não levem em consideração a objetividade e individualidade, ou seja, para que servem e como se aplicam os exercícios. DRIGO e JUNIOR (2001) ressaltam que nesses atletas e praticantes há uma vasta experiência na luta em si, porém é frágil o conhecimento no que se refere ao processo de ensino aprendizagem, como considerar a seleção de estratégias, métodos, lógicas, exigências fisiológicas, adequação das atividades e assim por diante. Os autores ainda colocam que a regulamentação da educação física como profissão interfere numa área que, histórica e culturalmente, esteve sempre isolada e cujos interesses podem resultar em conflitos neste novo contexto. Em outras palavras a educação física, como área de estudo e profissão, pouco se relaciona com as artes marciais até o momento.
 
    De certa forma, esta situação vem se alterando aos poucos. A capoeira chega às universidades e, em algumas delas, passa a ser disciplina obrigatória ou optativa, como, por exemplo, na UFBA (Universidade Federal da Bahia), UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), UFPR (Universidade Federal do Paraná), UEG (Universidade Estadual de Goiás) e UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) (CAMPOS, 2000). Esse autor ainda ressalta que fazer com que a capoeira chegasse à universidade era um dos sonhos de Mestre Bimba, pois apoiava iniciativas, projetos e eventos nesse sentido. O autor também faz uma analogia com a utilização de conceitos da universidade, como o fato de possuir padrinhos, paraninfo, orador, exame de admissão e especialização, inclusive classificando a capoeira como uma espécie de universidade popular, onde se estimulava a pesquisa e o estudo dessa prática corporal. Com isso, muitos de seus alunos foram motivados aos estudos em áreas como Artes Plásticas, Artes Cênicas, Música, Teatro, Cinema, Educação Física, História e Literatura.
 
    CAMPOS (2000) relata que, em sua pesquisa, encontrou opiniões favoráveis, por parte dos mestres, quanto à inclusão da capoeira no meio universitário, pois assim haveria uma maior valorização do esporte. Porém, o autor também relata certo temor sobre o fato da capoeira sofrer alterações conceituais, passando, assim, para o academicismo, perdendo sua essência e espontaneidade. FALCÃO (1997) relata que, ao adentrar no mundo esportivo, a capoeira passa a incorporar códigos e valores diferentes daqueles impregnados em sua origem, podendo ser recodificada, regrada e normalizada, negando possivelmente, alguns dos seus elementos essenciais, como a ludicidade e a improvisação. Diante disto, ressalta-se a afirmação de JUNIOR (2004), que relata a maneira como são passados os conteúdos pelos mestres antigos, como o fato dos mestres não ficar dando explicações aos alunos, que vai aprendendo por si só, na medida do possível, através da repetição. Há, também, a relação do mestre com o aluno, que tem extrema importância, pois é muito pessoal, com certo grau de intimidade, com o mestre preocupando-se em estar próximo do aluno, em ensiná-lo, em passar o conhecimento como se fosse um segredo.
 
    Partindo das situações anteriores, que ressaltam a importância da utilização de conceitos didáticos, voltam-se as mesmas para aplicabilidade no âmbito da capoeira, de modo a alcançar seus objetivos através desses conceitos. A exemplo disso, JUNIOR (2002) e SOBRINHO (2002) ressaltam uma proposta metodológica na qual o método é apenas um caminho mais participativo para que os alunos se "auto descubram" e valorizem a si mesmos, além de ser um meio de facilitar o aprendizado. A proposta é composta por três situações, sendo métodos onde o aluno participa na modificação da regra do jogo, na construção da regra do jogo e no desenvolvimento do mesmo. Esse método desenvolve-se através de uma comunicação oral entre professor e aluno, através de conceitos pedagógicos onde, em um deles, o aluno desenvolve funções de forma independente e, em outro, através do auxílio do professor.
 
    Apresentando também uma proposta metodológica, SOUZA e OLIVEIRA (2001) colocam um meio de introduzir a capoeira como conteúdo que pode ser contemplado nas escolas de ensino fundamental e médio, devido aos seus múltiplos enfoques, como luta, dança arte, folclore, lazer, cultura, entre outros. Também apresenta uma proposta de plano de aula, onde dividem movimentos, carga horária anual, horas/aula, tipos de movimentos e séries adequadas para movimentos. Segundo JAQUEIRA (2000) afirma que, além de uma metodologia, um bom método e conceitos didáticos, é necessária também a liderança do docente, onde é relevante a importância da utilização de métodos facilitadores, um estilo de comando utilizado de forma que se consiga desenvolver bem o seu papel de professor e, com isso, alcançar o objetivo de fazer com que haja o aprendizado.
 
3. Objetivo
 
    O objetivo deste estudo é verificar e caracterizar o uso dos métodos de ensino utilizados por mestres tradicionais de capoeira da zona leste da cidade de São Paulo.
 
4. Metodologia
 
4.1. Seleção de Sujeitos
 
    A amostra do presente estudo foi composta por seis mestres de capoeira, do sexo masculino, com idade entre 30 e 51 anos, tempo de prática variando entre 15 e 42 anos, sendo todos, mestres na modalidade há pelo menos três anos.
 
4.2. Instrumento metodológico
 
    Foi elaborado um roteiro de entrevista com questões fechadas e abertas, caracterizando um modelo de entrevista semi-estruturado, composto por treze questões, elaboradas especificamente para o presente trabalho (Anexo 1). As informações foram coletadas no primeiro semestre do ano de 2004. As questões foram organizadas em duas categorias, sendo estas divididas da seguinte forma:
 
·        Categoria 1. Histórico e relação do mestre com a capoeira (questões 3 à 9), composta por questões que abordam o tempo de prática tempo da capoeira, o tempo de atuação como mestre no ensino da modalidade, as razões para o início da prática, o local onde ocorreu esse início e os fatores que levaram o mestre a optar pelo ensino da capoeira.
 
·        Categoria 2. Organização e estruturação de aula, composta por questões sobre o modo de organização de aulas, as faixas etárias dos alunos, as atividades utilizadas para ensinar a capoeira e a importância que o mestre dá à maneira como trabalha os conteúdos de capoeira.
 
4.3. Análise de dados
 
    Para análise do presente trabalho optou-se por extrair os principais conteúdos das entrevistas relativos às categorias adotadas; posteriormente, estes conteúdos foram relacionados às informações da revisão de literatura. Os dados foram analisados a partir da transcrição e sistematização dos conteúdos das entrevistas, conteúdos estes que foram divididos nas duas categorias anteriormente citadas. Esse procedimento caracteriza-se pelo método conhecido como "análise de conteúdo".
 
5. Resultados e discussão
 
    Para proceder à discussão dos dados das entrevistas, optou-se por se destacar os relatos mais relevantes dos mestres entrevistados, referentes à categoria 2, e, posteriormente, analisá-los sob a perspectiva da revisão da literatura. A análise dos dados indicou que os mestres procedem da seguinte forma em suas aulas:
 
5.1. Quanto à organização das aulas
 
    Os relatos dos mestres 1, 2, 3 e 4 contêm afirmações de que os mesmos dividem as aulas em etapas, ou seja, de certa forma, apresentam o conceito de organização de aula que, segundo JANUÁRIO (1981) é um dos principais recursos pedagógicos que devem nortear a ação do professor. KRUG (1997) relata que o planejamento de ensino é o processo de racionalização do emprego de meios materiais de recursos disponíveis a fim de alcançar objetivos concretos em prazos determinados e em etapas dirigidas a partir do conhecimento e avaliação da situação original. Diante disso, os mestres em questão apresentam este conceito ao relatarem a utilização de seqüências utilizadas em suas aulas, envolvendo a divisão de conteúdos e até mesmo a utilização de cronograma para melhor orientarem o processo de ensino de seus alunos.
 
5.2. Quanto à faixa etária dos alunos dos mestres
 
    Os mestres em geral acreditam não haver uma idade específica para o início da prática da capoeira, mas sim, vontade do praticante. Um deles já impõe restrições para o início da capoeira tanto para a idade mínima, quanto para a máxima, demonstrando preocupações com a integridade física e o nível de assimilação dos alunos.
 
5.3. Quanto às atividades que utilizam para ensinar a capoeira
 
    Frente a esta questão nota-se que há uma certa concordância dos mestres quanto a realizar a aula em partes, como parte inicial, parte principal e parte final.
 
    Em observações feitas após as entrevistas, o início das aulas sempre é o alongamento com aquecimento, o meio sempre são atividades, como instrumentação, jogo e movimentos e o final são conversas e explicações teóricas. Com isso caracteriza-se a organização de aula, onde todos afirma dividir a mesma em etapas.
 
5.4. Quanto à importância como trabalha os conteúdos da capoeira
 
    Todos os mestres apresentam, em seus relatos, preocupações com a forma com que são passados os conteúdos, tanto no aspecto técnico (metodológico), afetivo ou social. Partindo desses aspectos, GALVÃO (2002) coloca como características de um professor bem sucedido: demonstrar interesse, entusiasmo, vibração e motivação; desenvolver laço afetivo; fornecer feedback; dominar o conteúdo. Apesar da preocupação generalizada com a estruturação dos conteúdos esta foi a categoria que apresentou maior diversidade de opiniões entre mestres. O mestre 1 demonstra ter uma preocupação em relação à filosofia da capoeira antiga. O mestre 2 apresenta algumas características de um professor bem sucedido, como fundamentar o conteúdo na unidade teórico-prática. O mestre 3 demonstra uma certa discordância no que se refere à regulamentação dos profissionais de educação física, salientando a importância do conteúdo ser transmitido por parte de professores que conheçam a capoeira a fundo. Os mestres 4, 5 e 6 apresentam características e preocupações que se enquadram nas características sócio-políticas do professor bem sucedido, como conhecer e preocupar-se com o aspecto social dos alunos.
 
6. Conclusâo
 
    Ao propor esta investigação, procurava-se conhecer a atuação do profissional de capoeira, com o objetivo de verificar e caracterizar o uso dos métodos de ensino utilizados por mestres tradicionais de capoeira da Zona Leste de São Paulo.
 
    Partindo do pressuposto de que mesmo sem a formação acadêmica, o capoeirista utiliza, de forma intuitiva, seqüências pedagógicas construídas durante sua vivência empírica, seqüências estas que possuem uma alta correlação com o que a revisão de literatura do presente estudo relata.
 
    Frente à discussão realizada, pode-se afirmar que as principais características das aulas correspondem a determinados métodos como: planejamento de ensino, organização e seleção dos conteúdos, feedback, métodos parcial, global e misto, metodologia diretiva, bem como a preocupação em fazer com que o aluno assimile as informações e, desta forma, criando métodos para que isto ocorra.
 
    O estudo identifica, caracteriza e correlaciona a existência e utilização de métodos didáticos por parte dos mestres, porém, não os julga quanto a sua consistência, bem como à eficácia dos mesmos, sendo que investigações desta natureza ainda devem ser elaboradas. Contudo, é possível que os métodos utilizados pelos mestres possuam alguma eficácia no processo e no resultado final da aprendizagem, mas, não há dúvidas de que a formação acadêmica se faz necessária neste âmbito, para que, a partir dela, haja correta utilização, organização e seleção dos métodos a serem aplicados aos alunos, a fim de se alcançar o objetivo educacional da capoeira.
 
Referências
 
·        CAMPOS, A. P. A construção do campo acadêmico da educação física brasileira: análise da escola de educação física e esporte da universidade de São Paulo. RIO CLARO – SP; 2003. DISSERTAÇÃO DE MESTRADO – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA.
·        CAMPOS, H. J. B. C. Capoeira na Universidade. Revista Baiana de Educação Física, 2000; 01(03): 15-22.
·        CASTRO JÚNIOR L. V.; SOBRINHO, J. S. O ensino por uma prática nagô. Revista Brasileira de Ciências e Esporte, 2002; 23(02): 89-03.
·        COSTA SILVA, P. C. Capoeira e educação física – uma história que dá jogo…Primeiros apontamentos sobre suas inter-relações. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 2001; 23(01): 131-145.
·        FALCÃO, J. L. C. A esportivização da capoeira: uma análise histórico – crítica. VI Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e Educação Física, 1997. Rio de Janeiro. Brasil. Universidade Gama Filho; 1997 . p. 321.
·        FALCÃO, J. L. C. Na "roda de capoeira": corpo imaginário social – esclarecimento e intervenção. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 1999; 21(01): 1304-1310.
·        FONTOURA, A. R. R.; GUIMARÃES, A. C. A. A capoeira em Florianópolis: um resgate histórico. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 2003; 11(02): 13-18.
·        FONTOURA, A. R. R.; GUIMARÃES, A. C. A. História da Capoeira. Revista da Educação Física, 2002; 13(02): 141-150.
·        GALVÃO, Z. Educação Física Escolar. A prática do bom professor. Revista Mackenzie e Educação Física e Esporte, 2002; 01(01): 65-72.
·        GONÇALVES JÚNIOR, L.; DRIGO, A. J. A já regulamentada profissão educação física e as artes marciais. Revista Motriz, 2001; 07(02): 131-132.
·        GONÇALVES JÚNIOR, P. Capoeira na formação do esquema corporal do portador de necessidades especiais. Revista Baiana de Educação Física, 2001; 02(02): 45-50.
·        JAQUEIRA, A R F. Capoeira: da mandinga a violência. Revista Mineira de Educação Física, 1999; 07(02): 60-80.
·        JANUÁRIO, C. Alguns aspectos sobre pedagogia, técnicas de ensino e construção de programas. LUDENS, 1981; 05(02): 45-42.
·        KRUG, D. H. F. Uma proposta metodológica para o ensino da educação física. Revista da APEF, 1997; 12 (01): 80- 92.
·        MENEZES. A. H. R.; MENEZES, J. A. S.; SANTOS, L. A. M; WIGGER, I. D. Didática em educação física: ordem unida, recreação e pedagogia do movimento crítico. Motrivivência, 1990; 02(03): 93-97.
·        TAFFAREL, C. N. Z. Referencial teórico-metodológico para a produção do conhecimento sobre metodologia do ensino da educação física e esporte. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 1995; 16(02): 122-133.  
 
 
Fonte: Jornal Mundo Capoeira – www.jornalmundocapoeira.com

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