Crônica: “Iê” (*) – VIVA MEU MESTRE!
A Capoeira passa, nos últimos 20 anos, por uma expansão significativa: no Brasil cresceu, verticalizou ao chegar na Universidade; no mundo, começa a horizontalizar.
A expansão que resumimos, e mesmo por conta do crescimento vegetativo vem dar margem à graduação de um maior número de Mestres. Neste avanço também desponta o interesse e o envolvimento comercial, aliás para expandir precisa criar um mercado. E como está o Mestre? A figura do Mestre? – vamos dizer assim do “Mestre dos novos tempos?” – aí é que nos interessa: A relação do “capoeira” com o Mestre, e vice-versa.
O elemento motor da Capoeira, é o Mestre. “O Mestre é uma marca de elevação, de supremacia, de predomínio, que nenhum outro ser humano consegue”, analisa Mestre Benício. E, é verdade: toda relação de obediência pressupõe uma troca que traga um ganho, ou afaste um medo. Mesmo nas relações com Deus está escancarada a troca de qualquer favor ou fervor – pela salvação da alma; nas enfermidades – pela cura, etc.; para com o feiticeiro – aquela mistura meio-deus/homem/diabo, dono de forças, situadas entre o divino e o temporal; entre o ético, e o safado – a obediência estava na base das trocas de mesmo calibre: da boa colheita, um bom emprego; até à volta da mulher amada – traidora, corneadora há tanto tempo, mas gostosa. Nas relações de Estado, não existe opção; nas relações de emprego, idem. Entre “os capoeiras” e o Mestre, não pressupõe troca alguma. Por que? – Antes, porém: em que se apóia o Mestre de Capoeira para ser guardião de obediência, inclusive de quem não conhece?
-Na FAMA, se apóia na fama. Acho a explicação mais plausível. Se não, vejamos.
-“A superioridade cria inimigos”, este o mais geral princípio da guerra.
As relações entre o Mestre de Capoeira e os seus, é o ato mais voluntário dentre todas as relações humanas, (fora das relações estritamente familiares). O capoeira orgulha-se em reconhecer, delegar superioridade a “seu” Mestre. Cada um orgulha-se da fama do “meu” Mestre. Cada um satisfaz-se, obediente, diante de um número qualquer de outros Mestres: Sem que haja o pedido da salvação da alma, o medo do inferno; ter de volta a namorada que outro tomou. Não há pedido, nem a expectativa de troca alguma.
-Dos Mestres, num encontro com tantos, não se espere mais que alguns minutos do
saudar, as alfinetadas, mútuas: delicadas, sutis, maliciosas. Para que? – para atingir a FAMA do outro. Pela exibição intelectual. Nunca por superioridade, no sentido clássico. Sempre foi assim, mesmo antes das cordas e cordões, (que são novatos).
-Observa-se uma certa preocupação, por “Mestres dos novos tempos” e até por
outros mais veteranos “em ser igual”, em “se mostrar igual” aos da Roda. Não! Não é. Nem pode ser. Vejamos este exemplo, distante, mas serve como referência: Quando milhões de católicos conferem ao PAPA o seu grau de elevação, o fazem livremente. O Papa deixa de ser igual a outro padre, a outro bispo, etc. Dentre aqueles fiéis, quando alguém deixa de ser católico, não lhe é imposta pena nem uma. Também o Papa não deixa de ser o Papa.
-Todo Mestre de Capoeira transita com a desenvoltura de qualquer um, em qualquer
lugar,. Mas não é igual: ele recebeu a delegação, a autoridade, “para não ser igual”. Quando alguém resolver “sair”, romper o pacto, o faz…. Mas, o Mestre continuará . E o pronome “meu” é apenas um referencial: O Mestre é o Mestre, conquistou o título e recebeu a delegação para exerce-lo, se assim se pode dizer. Cada “capoeira” guarda o orgulho da superioridade do seu Mestre. Só assim continuará a Capoeira – encanto da alma.
-Por que choras Manavane? – Estou velho não posso cantar. – Tu gostas de cantar?
Perguntei-lhe num esforço, sem saber como agrada-lo. Imaginei-o cansado. O observava desde cedo. Eram cerca de 200 pares de dançarinos e numero incerto de guerreiros. Todo par ao entrar na dança passava diante do velho: afastavam-se dos corpos e lhe abriam os braços. O velho às vezes fazia um gesto, na maioria dos casos nem os olhava. Os guerreiros cruzavam os braços e paravam por um instante na sua frente, às vezes em fila, às vezes individualmente… Ele me olha, pareceu-me tomado de cuidados comigo, e respondeu-me: – “Quando o preto canta, Chicuembo repousa… (Deus descansa).
-Crônica de um dos raros sábios portugueses que foi à África em data incerta, (talvez
fins do Séc. VI) narrando como aquele povo obedecia à figura do Mestre. Aquele velho era um Mestre, o mais velho. Enquanto, por cansaço, ou por vontade, não ofertasse a outro Mestre, o lugar, todos lhe rendiam reverências. E ele lembra que a figura do Mestre era igual em todos os lugares. Na Europa também o havia sido, dos ofícios às culturas.
(*) O “IE” entre aspas, indica que foi dito pelo Mestre, privativa do Mestre.
-Na FAMA, se apóia na fama. Acho a explicação mais plausível. Se não, vejamos.
-“A superioridade cria inimigos”, este o mais geral princípio da guerra.
As relações entre o Mestre de Capoeira e os seus, é o ato mais voluntário dentre todas as relações humanas, (fora das relações estritamente familiares). O capoeira orgulha-se em reconhecer, delegar superioridade a “seu” Mestre. Cada um orgulha-se da fama do “meu” Mestre. Cada um satisfaz-se, obediente, diante de um número qualquer de outros Mestres: Sem que haja o pedido da salvação da alma, o medo do inferno; ter de volta a namorada que outro tomou. Não há pedido, nem a expectativa de troca alguma.
-Dos Mestres, num encontro com tantos, não se espere mais que alguns minutos do
saudar, as alfinetadas, mútuas: delicadas, sutis, maliciosas. Para que? – para atingir a FAMA do outro. Pela exibição intelectual. Nunca por superioridade, no sentido clássico. Sempre foi assim, mesmo antes das cordas e cordões, (que são novatos).
-Observa-se uma certa preocupação, por “Mestres dos novos tempos” e até por
outros mais veteranos “em ser igual”, em “se mostrar igual” aos da Roda. Não! Não é. Nem pode ser. Vejamos este exemplo, distante, mas serve como referência: Quando milhões de católicos conferem ao PAPA o seu grau de elevação, o fazem livremente. O Papa deixa de ser igual a outro padre, a outro bispo, etc. Dentre aqueles fiéis, quando alguém deixa de ser católico, não lhe é imposta pena nem uma. Também o Papa não deixa de ser o Papa.
-Todo Mestre de Capoeira transita com a desenvoltura de qualquer um, em qualquer
lugar,. Mas não é igual: ele recebeu a delegação, a autoridade, “para não ser igual”. Quando alguém resolver “sair”, romper o pacto, o faz…. Mas, o Mestre continuará . E o pronome “meu” é apenas um referencial: O Mestre é o Mestre, conquistou o título e recebeu a delegação para exerce-lo, se assim se pode dizer. Cada “capoeira” guarda o orgulho da superioridade do seu Mestre. Só assim continuará a Capoeira – encanto da alma.
-Por que choras Manavane? – Estou velho não posso cantar. – Tu gostas de cantar?
Perguntei-lhe num esforço, sem saber como agrada-lo. Imaginei-o cansado. O observava desde cedo. Eram cerca de 200 pares de dançarinos e numero incerto de guerreiros. Todo par ao entrar na dança passava diante do velho: afastavam-se dos corpos e lhe abriam os braços. O velho às vezes fazia um gesto, na maioria dos casos nem os olhava. Os guerreiros cruzavam os braços e paravam por um instante na sua frente, às vezes em fila, às vezes individualmente… Ele me olha, pareceu-me tomado de cuidados comigo, e respondeu-me: – “Quando o preto canta, Chicuembo repousa… (Deus descansa).
-Crônica de um dos raros sábios portugueses que foi à África em data incerta, (talvez
fins do Séc. VI) narrando como aquele povo obedecia à figura do Mestre. Aquele velho era um Mestre, o mais velho. Enquanto, por cansaço, ou por vontade, não ofertasse a outro Mestre, o lugar, todos lhe rendiam reverências. E ele lembra que a figura do Mestre era igual em todos os lugares. Na Europa também o havia sido, dos ofícios às culturas.
(*) O “IE” entre aspas, indica que foi dito pelo Mestre, privativa do Mestre.
André Pêssego
Berimbau Brasil – SP/SP Grupo de Mestre João Coquinho.