Reginaldo da Silveira Costa – Mestre Squisito

Os Sete Desafios do Capoeira

Reginaldo da Silveira Costa

Mestre Squisito – Brasília – DF – novembro / 2001

O que pode vir a ser um critério justo e inquestionável para que alguém possa ser considerado um Mestre de Capoeira?

Essa pergunta surge em razão de um interessante estado de coisas que vivemos dentro da capoeira.

Tal pergunta é feita pela maioria dos próprios capoeiristas, que vive criticando que A não deveria ser mestre, ou que B se tornou mestre Varig – atravessou o Atlântico e se tornou mestre do outro lado…

Não resta dúvidas, pois, que isso se torna um problema mais complexo ainda, em função da expansão geográfica e do imenso contingente de praticantes de capoeira espalhados pelos quatro cantos do mundo, cada um seguindo linhagens e filosofias independentes.

Hoje a capoeira envolve também uma questão de mercado de trabalho e de espaço comercial, o que torna o título de Mestre algo que significa agregação de valor à oferta do serviço de ensino e de outras formas comerciais da Capoeira.

Muito se engana quem, por inocência ou interesse acreditar que pode definir um critério de julgamento único qualquer e com isso resolver esse impasse, uma vez que a capoeira tem raízes que não estão sob o controle de nenhuma pessoa ou entidade isoladamente, por mais competente e bem intencionada que seja a pessoa ou a Entidade.

Alguns capoeiristas, ávidos em se tornarem reconhecidos por seus próprios méritos e por seu próprio nome, nome de Mestre é claro, se afastam sem maiores explicações de seus grupos originais, buscando afirmar sua personalidade sem o controle de outras pessoas ou do seu Mestre original.

Temos aí, portanto, o problema que vamos tentar discutir neste artigo.

 

Raízes culturais da Capoeira

Originalmente a capoeira é uma cultura regional, o que inclusive foi apropriado genialmente pelo Mestre Bimba, quando criou o seu Centro de Cultura Física e Regional, o que deu origem ao nome Capoeira Regional.

Ela é o fruto de um processo social, forjado numa ética clara e simples, através da qual os Mestres eram simplesmente aclamados pela comunidade, como parte da evolução da expressividade de seu desempenho, seu trabalho, seus alunos.

Isso acontecia inicialmente dentro da pequena comunidade urbana, uma vez que a sofisticação da capoeira enquanto prática organizada e reprodutiva, tal qual a conhecemos hoje, é um processo evolutivo urbano.

Os capoeiristas que surgiam espontaneamente, praticantes de outiva, que iam reproduzindo o conhecimento que recebiam do convívio com outros capoeiristas e principalmente com seus próprios mestres, se tornavam conhecidos pelos vizinhos da mesma rua, dos quarteirões próximos e esquinas, áreas próximas aos seus locais de prática, normalmente os largos e as praças.

Desses bairros e de regiões das cidades ia se espalhando o reconhecimento e a notoriedade daquele Mestre, que passava a ter esse título naturalmente, enquanto ia desenvolvendo-se no jogo e no trabalho dentro da capoeira.

Vale observar que raramente esse tipo de atividade era remunerada, o que tornava o título de mestre desvinculado completamente da idéia de poder econômico ou de mercado de alunos.

Era apenas o reconhecimento que ia ocorrendo, na medida em que ele ia se destacando no jogo e sendo cada vez mais reconhecido.

E ensinava. Por isso o capoeirista passava a ser considerado o mestre daquele local.

Alguns capoeiristas, bem nos idos da primeira metade do Século XX, conquistaram respeito ou temor de uma cidade inteira, como foi o caso do memorável Besouro Mangangá, de Santo Amaro da Purificação.

Isso ocorreu também no Rio de Janeiro, onde se notabilizaram figuras como Manduca da Praia, Madame Satã, e muitos outros.

Em Recife temos a História de Nascimento Grande, considerado um Mestre na arte da capoeiragem por aquelas bandas.

Enfim, a comunidade aclamava seus capoeiristas, tornando-os Mestres.

Eles eram Mestres primeiramente de uma comunidade, depois se tornavam conhecidos numa região das grandes cidades, particularmente Salvador, Recife e Rio de Janeiro.

Mestres, artistas populares, nascidos e erguidos pelo próprio povo, como também eram chamados os mestres-artesãos do barro, da madeira, dos grupos de ciranda ou de Folia de Reis, Maracatu, Marujada, etc.

Mestres do Povo, sem sobrenome ou outros títulos pretensiosos.

Quando alguém sugeria: procura lá o Mestre Waldemar que ele tem berimbau muito bom! Era uma informação cristalina, um fato consumado. Uma comunicação precisa e clara.

Não precisava esclarecer coisas do tipo: ele é Mestre de que? De que estilo? Quem deu a ele esse título? Etc. A condição de mestre era tão natural como um pré-nome qualquer. Fazia parte do nome e dos atributos do seu portador. E todo mundo sabia o porquê. Ou então não carecia saber.

O mundo se modificou. A capoeira o seguiu.

Da rua para o bairro, do bairro para a cidade. Da cidade para a região. Da região para o Estado. Do Estado para o País. Do País para o mundo.

Mesmo tendo evoluído de Aldeia Local para uma Aldeia Global, a capoeira autentica busca levar suas características originais e se reproduzir dentro dos seus princípios e raízes, independentemente do local onde está sendo praticada, em que cultura distante, em que língua, em que povo…

A capoeira leva a mensagem de nossa comunidade mais interior para o mundo. Talvez se ela perder essas características deixe mesmo de ser capoeira!!

O que forjou a capoeira urbana e que ganhou o mundo, foi a mestria cunhada dentro da comunidade…

Os novos tempos impõem uma sofisticação progressiva, resultado de uma institucionalização que assimila o espírito capitalista e o implanta dentro das escolas (filosoficamente falando) de capoeira.

E não cabe aqui julgar o mérito ou o direito disso de quem quer que seja. Não é esse o interesse desse artigo.

A capoeira tem demonstrado que pode ser uma instituição digna, da mesma forma que qualquer outra, podendo ainda ser lucrativa e economicamente viável, podendo se constituir num meio de vida de muita gente.

Ótimo para quem lucrar com isso e melhor ainda para a Capoeira, no que ela incorporar de profissionalismo e de novos instrumentos para a sua auto-organização e reprodução histórica.

Se a capoeira percorreu o caminho que fez até agora, existiu um fato imprescindível nisso: sua reificação obstinada feita pelo Mestre Bimba.

O Sr. Manoel dos Reis Machado, em sua visionária vanguarda, graças a Deus sua gloriosa e bem-aventurada empreitada, deu o passo fundamental para que a instituição capoeira surgisse.

O trabalho dele, foi antes de tudo sistematizante, reformulante, convertendo a capoeira numa eficiência planejada, resgatando-a de uma prática sem método, convertendo-a num processo de aprendizado.

A importância dele é reconhecida até mesmo pelo mais fiel escudeiro da própria Capoeira Angola, a raiz, a mãe, a essência da Capoeira, ainda que alguns não lhe poupem críticas também, pelos inevitáveis efeitos colaterais de seu trabalho.

De algum modo a Capoeira Angola foi também beneficiada pelos espaços abertos pela capoeira regional do Mestre Bimba, sendo quase impossível a qualquer capoeira, de qualquer corrente, ficar indiferente ao que Mestre Bimba fez.


Os Sete Desafios Elementares

A seguir, elegemos alguns requisitos básicos, dentro da ética da capoeira, em cima dos quais iremos tentar fundar uma proposta de definição aceitável de critérios que possam ser utilizados para que alguém possa ser considerado um Mestre de Capoeira.

Tais critérios podem ser considerados tanto hoje, como historicamente o foram, utilizados como méritos associados ao título de Mestre de Capoeira.

São eles:

1. A família

2. A Camaradagem

3. A arte

4. A prosperidade

5. A Comunidade

6. Os Alunos

7. A Capoeira

Desafio n. 1 – A Família

A família sempre foi uma instituição basilar na vida do homem.

No caso da capoeira, a família sempre foi o primeiro desafio dos seus praticantes.

Ou seja, ser capoeirista, se mantendo em harmonia com a família, sem conflitos, sem permitir o distanciamento do convívio familiar.

Não permitindo que filhos, esposas, sejam simplesmente abandonados em virtude dos compromissos assumidos com a Capoeira.

Existem diversas músicas de capoeira que falam desse conflito:

Vou dizer minha mulher, Paraná, capoeira me venceu…!

 

Também é fato que a existência de uma família desequilibrada impacta totalmente a vida do capoeirista, como diz Mestre Brasília em sua música: se tu tens problema em casa, não vem resolver aqui…!

Felizmente, após todos esses anos e conquistas da capoeira, a predominância da relação da família com os capoeiristas é de Amor, estímulo e apoio.

Recentemente, testemunhamos o emocionante depoimento de Dona %%, mãe da Mestra Edna Regina, formada pelo Mestre Tabosa, onde ela contou a verdadeira saga pela qual passou, para apoiar sua filha a treinar capoeira.

Suas dificuldades foram inúmeras, desde problemas financeiros para custear os treinamentos, até ameaça de ser demitida, por estar envolvida com uma prática considerada ainda marginalizada, mesmo nos anos setenta, no Brasil, na Capital Federal.

Foi um depoimento emocionante de amor e dedicação da família a uma praticante, sem o qual jamais teríamos hoje uma pessoa com o sucesso e o trabalho dentro da capoeira no porte em que temos a Mestra Edna, hoje ligada ao Mestre Camisa, tornou-se uma pessoa que conquistou os EUA e o mundo.

Também a responsabilidade para com a família, como um ponto fiel da balança do equilíbrio entre o fascinante mundo da roda de capoeira e a relação familiar.

O Mestre de Capoeira, tem um outro papel fundamental, aquele Mestre do destino dos seus filhos e da sua família.

Esse é um desafio que pode lhe custar qualquer outro sucesso tornar-se inexpressivo: não adianta ser uma pessoa bem sucedida na Capoeira e ser um pai ou uma mãe fracassado perante os filhos, por abandoná-los a própria sorte ou por não ter competência para cuidar deles e orientá-los.

Desafio n. 2 – A Camaradagem

Mesmo que alguém possa se fazer aceitar nas rodas da capoeiragem pela imposição da força ou de outros argumentos apelativos, quem não for aceito pelos capoeiristas, como camarado como diziam os velhos mestres, tem vida curta dentro das vorta do mundo

O mundo subjetivo da capoeira, sua linguagem, seus segredos, seus enredos, suas estórias, bem como sua História, só é acessível a quem for aceito pela comunidade.

Só tem acesso à roda da capoeiragem, quem conseguir ser inserido na roda a camaradagem…

Mesmo que o capoeirista, as vezes imponente demais para perceber o que está acontecendo a sua volta, não entenda isso muito cedo, a capoeiragem tem um código de ética próprio.

Alguns desses códigos vem sendo deliberadamente desrespeitados, como é o caso do assédio para atrair alunos de outros mestres e grupos. Normalmente o que ocorre é que as mesmas pessoas que tem por hábito convidar alunos de outros grupos para os seus, fiquem muito zangados quando acontece a mesma coisa com os seus…

Ou seja, a ética está clara, mas muitos acreditam que ela sirva apenas numa mão: faça o que eu digo, mas não olhe o que eu faço!

Isso serve apenas para ilustrar as contradições que impedem muitas vezes o capoeiristas de ser aceito plenamente no convívio.

Exemplo positivo, para contrabalançar a visão do problema, é pensarmos num desses mestres que são conhecidos pela maneira agradável com que se relaciona com a comunidade, são pessoas sempre bem vindas as rodas da capoeiragem…

Poderíamos lembrar muitas dessas pessoas, mas é sempre arriscado sermos injustos e deixar mestres importantes de fora, mas quem não ouviu falar ou se lembra da grande personalidade de Mestre Canjiquinha, pessoa de um carisma impressionante!

Onde ele chegava, estava criada uma atmosfera agradável e sempre cheia de alegria!

No disco Músicas e Ritmos de Capoeira, tivemos oportunidade de ver o seguinte verso, dedicado a Mestre Canjiquinha:

Enfim, sem se tornar aceito dentro da comunidade capoeiristica, ninguém se torna um capoeirista completo.

Mais do que isso. Ser aceito dentro dessa roda, requer uma ética e uma aceitação que ninguém pode pagar por ela… Tem que merecer.

Desafio n. 3 – A Arte

A capoeira é antes de tudo uma arte.

Isso é um fato.

A arte na capoeira se traduz de muitas formas;

A arte de construir Instrumentos, ou como se pode extrair da Umbanda, sabe-se que Ogun, o Orixá da Guerra, é ele mesmo quem forja os seus instrumentos e sua espada…

Ogun é uma das Entidades de grande força dentro da Capoeira, pelo seu lado de guerra, embora tantos outros Orixás também tenham sua importância no terreno da capoeira.

O capoeirista, além de confeccionar seus próprios instrumentos, deve saber tocar, afinar. Enfim, deve dominar os seus instrumentos, ferramentas básicas da arte da capoeira. O capoeirista é um artista. Precisa realizar sua alma de artista.

Tem também a Arte da expressão, o teatro, o jogo cênico do corpo, elemento que povoa a criatividade e a capoeira dos grandes capoeiristas de presente e do passado.

A música. Ela possui um efeito transcendental para o capoeirista. Ele precisa estabelecer uma relação de amor com a música. Senão, poderá ser guerreiro, atleta, desportista, etc., mas não será um artista completo.

O mestre da roda de capoeira é um maestro do grupo, com a sua afinação e sentimento ele embala as rodas de que participa e, mais ainda, dá uma vida especial às rodas que ele próprio promove.

Dominar os rituais de roda é uma arte que só os grandes mestres atingem.

Os Mestres de Capoeira, para atingirem sua plenitude de reconhecimento, crescimento e realização precisam conhecer e passar para seus discípulos, para que a Arte da Capoeira se perpetue!

Indo mais além na questão da arte, vale lembrar que o capoeirista completo consegue se desenvolver na composição de suas próprias músicas e letras de capoeira.

O capoeirista tem uma outra vocação importante que precisa dar vazão em seu crescimento e formação: a dança! O capoeirista deve dançar espontaneamente!

A capoeira, finalmente, pode se tornar uma eficiente arte-marcial. Essa arte foi por milhares de anos a forma através da qual o homem forjou a sua superioridade, seja perante outros homens, quanto perante as suas angustias e fraquezas. Isso é a arte-marcial.

A capoeira tem um componente marcial que pode ser explorado e se tornar um importante argumento para quaisquer dessas questões.

 

Desafio n. 4 – Produção dentro do trabalho de capoeira

Todo e qualquer trabalho produz frutos.

A capoeira de um mestre é um trabalho como outro qualquer.

O que representa essa produção?

Representa cada dia de aula que ele dá, cumulativamente, criando uma massa cada vez maior de conhecimento em seus alunos.

É representada pelo seu próprio conhecimento que vai sendo acumulado, criando um skill técnico cada vez mais elaborado, combinando informações que ele tem na mente, obtidas de seu aprendizado e combinadas com suas experiências cotidianas no bojo de seu labor no ensino e na sua própria prática de capoeira.

Desse seu conhecimento, aplicado em seu trabalho de ensino, ele deriva para um novo projeto, seja uma nova turma, um novo horário, um novo local de ensino e divulgação da capoeira; um evento que pretende realizar no final do semestre ou do ano; uma festa de formatura; um batizado; uma competição interna; uma viagem com alguns alunos para participar de um evento em outra cidade; um ensaio de uma nova coreografia para ser apresentada na festa da Academia ou da escola, ou mesmo de uma data comemorativa da cidade…

Enfim, essa produção, qualquer que seja ela é o resultado que um Mestre de Capoeira vai pontuando em sua caminhada pelo caminho do berimbau…

Alguns têm mais sorte ou mesmo um perfil mais empreendedor, naturalmente disponível em sua pessoa e, porisso, tem mais facilidade de ir produzindo eventos, festas, apresentações, competições, festivais, batizados, etc..

Outros são menos afortunados e tem que batalhar muito para conseguir o mínimo de realização. O mérito dos dois deveria ter o mesmo valor dentro da capoeira.

Por mais modesto que seja o trabalho de um mestre, e isso é um fato nos mestres mais enraizados em culturas e populações regionais dos Estados mais pobres do Brasil, eles tem méritos reconhecidos em seus trabalhos: fazem rodas; fazem batizados e festas; convidam os camaradas, reúnem os capoeiristas em momentos de confraternização e energia, na qual a capoeira como um todo vai se apropriando e crescendo com esse movimento.

Também deve ser contabilizado como parte da produção dos Mestres de Capoeira, os discos, os livros, palestras, conferências, encontros, reuniões, filmes, peças de teatro, apresentações, etc.

Isso tudo é parte do mérito da produção de um Mestre de capoeira.

Infelizmente, alguém que nada produza para a capoeira não será um Mestre legítimo dela. Ou será um mestre incompleto.

 

Desafio n. 5 – Aceitação e respeito na Comunidade

A afirmação de um Mestre de Capoeira precisa do reconhecimento social.

Se no passado o capoeirista pode ter sido marginalizado pela sociedade, isso já passou. Se não acabou totalmente, é bem provável que hoje esteja ocorrendo de forma bem sutil, ou em situações isoladas, muito especiais, particularmente por grupos que se tornam de algum modo agressivos e violentos, distribuindo toda uma sorte de visão negativa da capoeira, pois algumas vezes eles fazem questão de aparecer vestindo suas camisetas identificando GRUPO XPTO…! Deixando claro que estão dispostos a comprar qualquer briga que surja… e se não surgir nada, para não perder a viagem, criam uma.

Pelo lado positivo, os mestres de capoeira se tornam úteis à sociedade, seja no Brasil ou em qualquer país do planeta.

Isso ocorre pelo fato de que a capoeira pode transformar a vida das pessoas, particularmente para o lado do bom caminho, pois são inúmeros os projetos que se destinam a utilidade publica, envolvendo crianças de rua, ou pessoas de qualquer idade com risco social, grupos especiais como excepcionais, doentes mentais, pessoas de terceira idade, enfim, a capoeira tem sido utilizada num sem numero de projetos do mais alto interesse social.

As pessoas por trás desses projetos são Mestres de Capoeira que se tornam admirados pela comunidade, respeitados por todos, acolhidos junto aos movimentos sociais das comunidades onde atuam, se destacando como pessoas de alto nível de credibilidade.

Todo movimento de capoeira deveria ter uma utilidade social para alguém.

Assim, todo Mestre de Capoeira teria o reconhecimento social, que é o quinto grande desafio de nossa lista básica.

O que seria um Mestre de Capoeira sem esse reconhecimento?

Que tipo de trabalho ou que tipo de formação seria dada a alunos que fossem considerados inimigos públicos? Infelizmente isso existe também.

Felizmente essa linha de trabalho que prega o atrito com a sociedade está reduzida a um número insignificante de pessoas, cada vez mais isoladas em sua vã filosofia e na sua pobre visão de mundo.


Desafio n. 6 – Formação de Alunos

Se existe uma coisa que caracteriza um Mestre de Capoeira, são seus alunos. Alguém questionaria isso?

Os novos tempos têm produzido alguns fenômenos dentro do mercado da capoeira, que já tive oportunidade de comentar antes no decorrer deste texto, onde pessoas, Mestres de Capoeira conhecidos, assediam alunos de outros mestres, oferecendo seu nome, seu grupo, seu apoio e toda uma série de promessas, somadas à insatisfação que muitas vezes o capoeirista está vivendo, que isso torna-o uma presa relativamente fácil.

Nossa meta neste artigo não é discutir especificamente essa questão, mas isso tem a ver com o mérito que o Mestre deve ter com relação aos seus alunos.

Pode alguém dizer que foi o Mestre de um aluno que já chegou para treinar com ele formado?

Pode existir um Mestre de Capoeira sem aluno?

Temos conhecimento de alguns Mestres que se recusam a ensinar o que sabem para seus alunos, por não quererem se expor a serem mais tarde abandonados e, junto com a saída de seus alunos, seus conhecimentos serem levados para engrossar o nome de outros grupos e outros mestres.

Teriam eles suas razões para tal procedimento?

Ocultar o conhecimento que tem chega a ser um recurso para proteger a sabedoria da capoeira?

Será que alguns alunos chegam a migrar para outros grupos pela falta de perspectiva de um aprendizado mais profundo de capoeira onde estão?

Enfim, no nosso problema central, é um desafio para o Mestre ensinar seus alunos até que esses possam se tornar também professores e mestres, para formarem outros professores e mestres, para seguirem a linhagem da sabedoria da capoeira que aprenderam.

A chegada da maturidade dos alunos de capoeira criam uma situação de difícil administração para a maioria dos Mestres de Capoeira.

Alguns sentem que não mais tem o controle sobre seus alunos e porisso criam zonas de atritos e de desequilíbrio na relação com eles.

Outros querem que o aluno busque uma autonomia para produzir para o grupo, o que nem sempre ele está preparado ou tem interesse em fazer e com isso também se desencadeia desarmonias e desajustes entre mestre e aluno.

Certo é que levar um aluno do inicio ao fim de sua formação é um mérito de muito poucos mestres. A eles a honraria de serem Mestres de Capoeira que formaram outros Mestres de Capoeira e com isso se tornou mais do que Mestre, se tornou um Mestre de outro Mestre.


Desafio n. 7 – A Alma da Capoeira

Na filosofia yogue a sétima esfera do ser humano é o espírito (quem tiver interesse em se aprofundar leia As Sete Lições de Filosofia Iogue, de Ramacharaka).

Na capoeira o estágio supremo do crescimento de um capoeirista seria ter em si a Alma da Capoeira.

A Alma da Capoeira não se traduz em qualquer palavra, talvez em muitas delas, talvez todas elas sejam necessárias e talvez nenhuma possa realmente explicá-la.

A alma existe como a essência imaterial das coisas que se incorpora aos obstinados que se entregam profundamente a sua arte, até chegarem ao ponto de se confundirem com aquela arte.

Se lembrarmos Chopin veremos que ele nasceu, sentou-se na frente de um piano e consumiu toda sua vida ali, saindo de lá direto para o cemitério, sua alma e a sua música se tornaram uma coisa única.

Isso também ocorre com a capoeira.

A Alma da Capoeira está presente na sombra de um Mestre de Capoeira, junto com ele. Dentro dele.

A Capoeira transforma o interior de uma pessoa a ponto de fazê-la ser a capoeira ela mesma.

O Mestre Atenilo, o Relâmpago da Capoeira Regional como ficou conhecido, diz sobre Mestre Bimba que ele era a própria capoeira, no livro-depoimento com o seu nome produzido por Mestre Itapoan.

Essa expressão caracteriza bem o que estamos tentando passar neste artigo: o capoeirista que atinge a mestria da capoeira torna-se a capoeira! Não é possível mais separá-lo dela…

O verdadeiro Mestre de Capoeira precisa ter sua Alma fincada na energia de capoeira.

Alguém que ainda não atingiu isso será Mestre de Capoeira um dia. Ainda não é.

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