CAPOEIRAS DA CAVERNA: Entre a Comodidade e o Medo do Novo
CAPOEIRAS DA CAVERNA: Entre a Comodidade e o Medo do Novo
Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
Quantas vezes nos vemos em completa ignorância sobre algum tema em capoeira, acreditando nas versões que nos passam sem a devida reflexão ou conhecimento da realidade? Ou não, quantas vezes vemos capoeiristas que simplesmente vivem em seus “mundinhos”, isolados da diversidade que compõe a comunidade, em um círculo pequeno e restrito de “colegas” que trocam favores, particularizando conceitos, eventos e modos de viver a capoeira? Neste texto trataremos sobre esta temática nos apoiando na metáfora proposta no Mito da Caverna.
Na alegoria descrita por Platão, um grupo de pessoas vivia numa grande caverna, acorrentadas e forçadas a olharem exclusivamente para a parede que ficava no fundo da caverna. Como estavam presos, só podiam ver as sombras de animais, pessoas e objetos do mundo exterior, projetadas a partir da chama da fogueira, julgando serem aquelas projeções terríveis a realidade. Desta forma, certa feita, uma dos presos nesta caverna conseguiu fugir para o mundo exterior. A princípio, ao sair, a luz do sol e a diversidade de cores e formas assustaram o ex-prisioneiro, fazendo-o querer voltar para a caverna.
No entanto, pouco a pouco, ele foi se adaptando e passou a se admirar com as inúmeras novidades e descobertas que fez. Assim, quis imediatamente voltar para a caverna e compartilhar com os outros prisioneiros todas as informações e experiências que existiam no mundo exterior. As pessoas que estavam na caverna, porém, não acreditaram e chamaram-no de louco. Para evitar que suas idéias atraíssem outras pessoas para os “perigos da insanidade”, os prisioneiros mataram o fugitivo.
A caverna aqui simboliza o mundo em que algumas pessoas vivem, uma espécie de “bolha”. Na capoeira esta tal “bolha” pode ser, por exemplo, eventos de capoeira restritos a um pequeno “grupinho”, grupo este que circula exclusivamente entre eles, negando a interação com a diversidade que compõe a nossa arte.
Já as correntes significam a ignorância que prende os indivíduos, representada pela dificuldade de se perceber numa necessidade de aprimoramento técnico, de qualificação pedagógica, de compreensão do ritual, de noções básicas de gestão institucional ou até a qualificação da vida em capoeira.
Quantas vezes ficamos presos a idéias pré-estabelecidas, como numa interpretação equivocada das sombras projetadas na caverna, e não buscamos um sentido mais real para determinadas coisas? Quantas vezes evitamos assim a “dificuldade” de pensar e refletir? Quantas vezes preferimos nos contentar apenas com as informações ilusórias que alguém nos passa? E se esta pessoa for uma habilidosa “acorrentadora de pensamentos”, como podemos nos perceber nesta condição?
Na metáfora de Platão, o indivíduo que consegue se “libertar das correntes” e vivenciar o mundo exterior, ou aqui, o conhecimento em capoeira, é aquele que vai além do pensamento “comum”, criticando e questionando a sua realidade/grupo, vendo além do óbvio, se percebendo como constante aprendiz e interpretando o indivíduo/grupo/mestre diferente como potencial “professor da vida” em capoeira. É claro que “sair da caverna e ver a luz”, no caso, ir em busca de conhecimento em capoeira, “dói aos olhos”, incomoda no início, como na metáfora da Caverna, mas é libertador. Quando, ainda novos, visitamos outro grupo ou mestre/a de capoeira, vivemos uma espécie de frio na barriga, o medo do novo, medo deste novo universo que não é a “minha caverna”, mas, ao chegarmos desta aventura, trazemos um novo cantar, uma nova esquiva que nasceu da necessidade de ficar “vivo/a” no jogo com o diferente, e uma nova teia de amizades que floresce.
Assim como conta Platão, quando explica que Sócrates foi morto pelos atenienses, condenado em 399 a.C, Janeiro, com 71 anos, após difundir suas reflexões filosóficas e provocar grande desestabilização no “pensamento comum” das pessoas, muitas vezes em capoeira, vemos pessoas sendo atacadas quando tentam apresentar novos olhares para uma capoeira mais funcional e adaptada a realidade.
O Mito da Caverna se mantém muito atual em diversos coletivos de capoeira ao redor do mundo, não acha? Alguns coletivos preferem permanecer alheios ao pensamento crítico, seja por zona de conforto ou falta de interesse, e seguem aceitando as idéias e conceitos que são impostos por um grupo dominante. Se ao invés de ficarmos alheios criticamente, não questionando o que nos é imposto pelos “novos capitães do mato”, pudéssemos submeter estas ideias ao “filtro” das necessidades do “coletivo” em detrimento da “parte”, AFIRMANDO a ancestralidade e os princípios estruturantes da arte capoeira, poderíamos alavancar um projeto comum, partindo da “vida do capoeira em roda” para a “roda de capoeira na vida”, vencendo a comodidade e superando o medo do novo.
Então CAPOEIRA DA CAVERNA, que tal deixar os morcegos para trás e brindar
à luz deste admirável mundo novo?
Axé.:
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