Ginga Muleque

 Mestre Raules, o fundador da Associação Ginga Muleque

     Estou com 32 anos e quando era adolescente tinha uma porção de colegas. De repente eles começaram a sumir. Foram morrendo, pegando doença, para a cadeia… Daquela turma só sobraram eu e mais um. Comecei com a capoeira e ela me ajudou demais. Me ofereceram drogas várias vezes e eu sempre respondi que prefiro jogar capoeira, prestar atenção no que o mestre está falando sobre as tradições da capoeira, pegar um berimbau para tocar, que é uma viagem muito melhor.

     Eu dava aula na escola de Samba Colorado do Brás, que mantinha o Projeto Kinderê, e as crianças atendidas me fizeram lembrar dos meus amigos. Por que eles morreram? Por falta de oportunidade, até porque as mães tinham que trabalhar e deixavam os caras jogados. Meu pai tinha um pouco mais de condição, mas os deles, não. Muitos deles viviam direto na rua, até de madrugada. 

     A vida dessas crianças mudou muito, muito. Nós abrimos o espaço da academia às terças, sábados e domingos para elas não ficarem jogadas na rua. Aqui elas estão aprendendo. Na região há vários cortiços e muito ladrão. E as crianças aprendem com eles. Então, se elas tiverem uma pessoa de boa índole para se espelhar, acredito que vão melhorar, como está acontecendo.

     Às vezes a gente vê um menino que foi crescendo e virou marginal. Por quê? Não tem em quem se espelhar, só se espelha em coisa ruim, está sempre na rua, às vezes a mãe e o pai são uns coitados, a gente não pode culpar, saem às 6 da manhã para chegar às 6 da noite, para ganhar salário de R$ 250,00…

     Eu moro aqui na academia (nos fundos, há um quarto, dividido por uma chapa de eucatex, formando uma pequena sala-cozinha e um pequeno banheiro), mas o objetivo é sair, tirar essa parede, colocar computadores e ver se a gente consegue pagar um professor para ensinar a eles. Na verdade, estamos procurando parcerias, mas eu sou leigo nessa coisa de documentação. Não sei direito como funciona isso, se eles doam, se vêm e colocam, se vem professor, como é que funciona. Mas a nossa intenção é ter capoeira, teatro, dança, cada coisa puxando a outra. Pretendemos alugar o andar de baixo e fazer uma grande associação cultural, com a cultura do Brasil. Mas por enquanto esse é um projeto para o futuro.

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