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Vou lá na Feira de São Joaquim

Vou lá na Feira de São Joaquim

Por: Mestra Brisa

Nesta semana nasceu a cantiga “Vou lá na Feira de São Joaquim”, que há algum tempo já martelava em minha cabeça com sua melodia instigante e bem “in Bahia”. Vou contar-lhes um pouquinho desta “gestação e parto”, e deste lugar simbólico para a cultura baiana.

De frente pro mar da Baía de Todos-os-Santos, o comércio que passou a despontar ainda na colônia, favorecido pela presença do mar e de um atracadouro, cresceu. Da pequena venda de um artigo ou outro, virou feira – a maior e mais importante da capital. A Feira de São Joaquim é uma espécie de “entidade” cultural, filosófica, religiosa e, claro, um referencial de abastecimento da Bahia.

Ela tem a própria história. A estrutura, à beira-mar, com um atracadouro, por onde chegavam saveiros do Recôncavo, favoreceu o surgimento de algum comércio por ali há séculos, e hoje abriga inúmeros trabalhadores, formais e informais, sendo o principal distribuidor dos artesanatos de barro, alguidares, cuscuzeiros, potes dentre outros produzido no Recôncavo.

Minha vida sempre foi recheada de Feiras livres e de passagens obrigatórias por esta grande feira, quando íamos à Ilha de Itaparica. A feira tem cheiro de povo, de interrelações humanas, de subsistência, de “vida”, às vezes conflitantes, quase sempre “de negociantes”. Ao adentrar na capoeira, passou a ser também símbolo de um lugar de resistência cultural e de grandes mestres da nossa Bahia. Por fim, digo que essa cantiga nasceu na ladeira da Água brusca, Mercado do Peixe, onde toda semana eu e o Mestre Jean Pangolin compramos o camarão fresco, siri e lambreta para família, depois seguindo sempre para comprar frutas em São Joaquim. E nessa levada vai o refrão:

“Vou lá na feira de São Joaquim
Vou com cuidado, vou de paletó
A roda é boa, entrou cabeçada
Martelo e armada, você virou pó”

Mas em São Joaquim, também encontro os artigos pros meus banhos de folhas, energizantes e que nos livram dos males desta vida. Encontro os artesanatos e instrumentos da capoeira, que vendo em Salvador, no Brasil e no exterior, quando viajo representando essa nossa arte. Encontramos ainda as comidinhas mais pitorescas da minha Bahia, da rabada à feijoada, “lá estou eu lambendo os beços”. Sarapatel, não vou lhe mentir, é o meu predileto, e olhe que mesmo comendo fruta em 80% do meu tempo, este tem seu lugar, pois tem sabor de Bahia e de baianidade. E assim segue a cantiga:

“Olha a pimenta e o camarão bem seco
Sarapatel, eu lá vou beliscar
O Preto Véi, tá parado no beco
Pedindo a benção para prosperar”

Além da capoeira, é lá que compro meus artigos para produção do Caruru de São Cosme, Damião e Doun / Erês, legado que trago de minha família a partir de minha avó paterna, que desencarnou aos 100 anos cumprindo a missão com os santos gêmeos; e o de Iansã / Santa Bárbara, que sincreticamente aportam e nos conduzem como “madrinhas” das mulheres desta família. Aí que eu sigo cantando:

“E hoje é dia de meu caruru
E só na feira que eu vou comprar
Castanha, coco, camarão, quiabo
Cosme e Damião, hoje eu vou agradar”

Na feira aprendi a barganhar, a ver gente tirar “leite de pedra” e manter sua família com o suor do seu trabalho. Vi muitos espertalhões, que nem sempre se dão bem. Vi malandragem, vi honestidade, enfim na feira “eu vi foi coisa”. Então eu sigo cantando assim:

“Mas essa feira é uma beleza
Encontra tudo, em todo lugar
O preço é bom, mas tenha esperteza
Senão olha as calças, você vai deixar”

Mestre Boca Rica, Mestre Gajé, finado Mestre “di Mola” são alguns dos grandes nomes que, historicamente, estavam presentes naquela cena cultural. Eles me inspiraram a cantar essa cantiga, mas foi, precisamente, numa dessas idas à feira que me lembrei do grande mestre Riachão do Samba. E como ele mesmo falava: “a cantiga desceu do céu”… e assim vou levando a cantiga…

“Saindo cedo logo da Água Brusca,
Dona Iansã venha me acompanhar
Vou visitar o mestre Boca Rica
E o mestre “Di Mola” no céu a jogar

Do caruru pro Mercado Modelo
Mestre Gajé eu vou lá encontrar
Elevador subindo e descendo
Até Riachão, hoje eu vou é cantar”

E nesta, sigo, esperando a próxima enviada pra homenagear essa Bahia, linda, que tanto me deu, e que tanto me dá…

Axé!

Ei, psiu, gostou? Então compartilhe, ajude a nossa capoeira a cantar nossa Bahia!

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