SOM E EMOÇÃO

Liberando a música no ritmo da emoção

Fã de Caetano Veloso e Marisa Monte, Isabela Rezende, de 19 anos, vivia cantando debaixo do chuveiro mas tinha vergonha de soltar a voz em público. Mal conseguia perguntar o preço de uma peça de roupa na loja favorita. Depois de dois anos de aulas de cantoterapia, a timidez foi embora, sua vida deu uma guinada e ela se prepara para estudar comunicação:/>

– Agora, eu canto em público e perdi a vergonha de conversar e de dizer o que sinto. Aguardo ansiosa as aulas semanais e sinto saudades nas férias./>

Além de ajudar os tímidos, a cantoterapia, criada há 15 anos pela carioca Sonia Jopper, professora de violão e ex-solista de coral do Colégio Sion, vai mais longe. Pela tranqüila casa amarela da Gávea, passam de políticos que precisam aprender a respirar melhor, para melhor falar em público, a hipertensos enviados por cardiologistas. Os exercícios vocais, aliados à consciência corporal, reduzem a pressão arterial, ao mesmo tempo que aumentam a auto-estima. 
O aumento da auto-estima também faz parte dos resultados positivos conseguidos pela musicoterapeuta Paula Maria Ribeiro Carvalho, uma das seis profissionais que trabalham, na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), com adultos e crianças com problemas tão diversos como acidente vascular cerebral, artrite reumatóide infantil e paraplegia provocada por bala perdida. Segundo Paula, a percepção adquirida nas sessões pode ser a diferença entre o desânimo e a recuperação do equilíbrio ameaçado pela doença. />

– Uma pessoa que trabalhava e de repente tem um acidente vascular encefálico, por exemplo, passa a viver como doente. Quando chega à instituição para se tratar, com metade do corpo paralisada, é levada a trabalhar as partes
do corpo que foram afetadas. Ou seja, reforça a visão que tem de si própria como doente, esquecendo o lado saudável. O objetivo da musicoterapia é justamente recuperar este lado. />

No caso do engenheiro A. R., de 64 anos, cuja fala e movimentos ficaram prejudicados depois de um acidente ascular cerebral, um momento da musicoterapia foi essencial: ao ouvir uma canção ao piano, ele lembrou que a escutara várias vezes em companhia da primeira mulher. Foi o primeiro sinal de que começava a recuperar parte de sua memória, e com ela a capacidade de expressar emoções.
Esta capacidade é hoje uma das características de Selma Soares Marques, de 10 anos, que desde os 4 anos
sofre de artrite reumatóide, doença degenerativa ainda sem cura conhecida. Ela chegou à ABBR, há dois anos,
com o semblante fechado, incapaz de manifestar um desejo ou reclamar. Agora, adora tocar pandeiro, participa
ativamente das aulas, conversa e ri com os colegas.
A maioria das crianças que faz musicoterapia na ABBR teve paralisia cerebral ou meningite. As dificuldades de movimento devem-se a problemas no tônus muscular, que os profissionais procuram recuperar aos poucos: />

– Nosso objetivo é não deixar avançar a deformidade. Com o estímulo da música, a criança que tem dificuldade de abrir a mão vai querer fazê-lo para tocar o violão ou o tambor. Não há imposições. A vontade própria é importante, assim como é importante a criança sentir que pode fazer som junto com outras pessoas, sem ter seu espaço privado invadido. Invadido por uma bala perdida que o deixou paraplégico, há dois anos e meio, o menino G., de 6 anos, começou o tratamento na ABBR bastante revoltado. Todas as músicas que criava tinham letras de final infeliz, com animais que morriam estraçalhados. As atuais já têm figuras humanas e ele diz que adora compor, sonhando com o dia em que será cantor:
– G. relutava em fazer os exercícios essenciais para a recuperação do seu equilíbrio motor. Na musicoterapia, ele exercita a postura sem sentir, ao sentar-se no teclado, por exemplo. Para ele, esse é um momento lúdico, para nós faz parte da terapia global – explica Paula Carvalho.
Selma e G. poderiam continuar a se beneficiar da musicoterapia por muito tempo. Mas ambos enfrentam um risco: na ABBR, que recebe apenas R$ 2 do Sistema Único de Saúde por cada sessão de meia hora de tratamento, há sempre novas crianças na fila porque os profissionais são em número insuficiente para atender a todos./>

Não são só os problemas físicos que a musicoterapia ajuda a minorar. Autistas e psicóticos também se beneficiam dela, como atesta o psiquiatra Carlos Augusto de Araújo Jorge, diretor da Fundação Municipal Lar Escola Francisco de Paula (Funlar), da Secretaria municipal de Desenvolvimento Social, onde há atualmente 115 alunos de musicoterapia, 53 em Vila Isabel, 58 em Campo Grande. São crianças e adolescentes com diversas doenças, entre elas a síndrome de Down, o autismo e a paralisia cerebral, que provocam atraso de desenvolvimento motor e de linguagem. />

Ex-diretor do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro, Araújo Jorge relata o caso de um cliente de 13 anos, psicótico e agressivo, que só aceitou sair do carro do pai e entrar no consultório médico depois de uma abordagem pouco ortodoxa da musicoterapeuta:/>

– A profissional passou meses indo até o carro, levando consigo um instrumento de percussão, atabaque ou tamborim. Quando o garoto conseguiu enfim tocar o instrumento, estabelecendo uma relação com ela, pôde sair para o consultório. A música como instrumento terapêutico não é a mesma coisa que a música habitual. Usa-se a música para estabelecer uma relação de confiança com o paciente, abrindo uma canal de comunicação para, a partir daí, estabelecer relações mais saudáveis. />

O trabalho da terapia se dá através de atividades cuidadosamente estruturadas, com objetivos que não incluem o desenvolvimento estético. Segundo a musicoterapeuta Mônica Isidoro da Silva, da Funlar em Vila Isabel, o canto, os instrumentos ouvidos e tocados, a composição e a dança ao som da música não pretendem desenvolver o talento musical de ninguém. O objetivo é fazer com que o desenvolvimento musical melhore o funcionamento social, psicológico e fisico. />

– O som é a primeira relação com o mundo, desde o ventre materno. Abre canais de comunicação que facilitam o tratamento. Além de atingir os movimentos mais primitivos, a música atua como elemento ordenador, que organiza a pessoa internamente – afirma Araújo Jorge. />

Paula Carvalho, presidente da Associação de Musicoterapia do Rio de Janeiro, que congrega 350 profissionais, lembra que a musicoterapia é um curso da área biomédica. Quem faz vestibular para o curso, no Conservatório Brasileiro de Música, deve saber tocar um instrumento. O coordenador do curso, Marco Antônio Carvalho, explicou que os alunos, além de aprenderem violão, teclado e flauta, têm aulas como artes plásticas, psicologia e anatomia. />

– A música é um instrumento terapêutico valioso, um canal privilegiado para se expressar emoção. A musicoterapia estimula a motricidade e a auto-estima com mais rapidez – diz Carvalho./>

A maioria dos musicoterapeutas faz questão de acentuar as origens técnicas do seu trabalho, reconhecido pela primeira vez nos Estados Unidos na década de 50. Mas há quem aposte também no lado místico da terapia, caso do musicoterapeuta Thomaz Lima, que usa o pseudônimo de Homem de Bem e já gravou sete CDs com mantras indianos. Agora, ele está lançando "Himalaia", um CD instrumental, de sua autoria, que dura uma hora e promete levar ao relaxamento: />

– O CD foi milimetricamente planejado para provocar um resultado. Procuro abrir para as pessoas caminhos não verbais que levem-nas a expressar suas características positivas. />

Nas aulas de Thomaz, ele mescla técnicas de relaxamento, ioga, do-in, massagem chinesa nos pés e técnicas de expressao corporal, entre outras. />

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