Capoeira ganha força entre os que passaram dos 50
Capoeira: Jogo atlético constituído por um sistema de ataque e defesa, de caráter individual e origem folclórica genuinamente brasileira, surgido entre os escravos procedentes de Angola no Brasil colônia, e que, apesar de intensamente perseguido até as primeiras décadas do século 20, sobreviveu à repressão e hoje se amplia e se institucionaliza como prática desportiva regulamentada.
Terapia ocupacional: Aquela em que se procura desenvolver e aproveitar o interesse do paciente por um determinado trabalho ou ocupação. (Novo Dicionário Aurélio)
A soma dos dois conceitos parecia impensável. Quem iria se tratar praticando golpes ao som do berimbau? Há 10 anos, Gilvan Alves de Andrade, mais conhecido como mestre Gilvan, provou que a mistura de capoeira e terapia dava certo. Em palestras sobre qualidade de vida, ele ensinava a ginga aos visitantes. O trabalho fez sucesso entre o público da terceira idade e ganhou nome de capoterapia. Hoje, a atividade é realizada em 11 pontos do Distrito Federal e ajuda cerca de 22 mil idosos em todo o país.
“É uma atividade bem brasileira e está tirando o idoso de casa. É uma terapia com base na capoeira, mas não cobro saltos nem nada complicado”, explicou o mestre Gilvan. Durante os encontros, os alunos se reúnem em torno do mestre e repetem os movimentos que ele faz. Eles agacham, levantam e se alongam no ritmo de canções tradicionais. Cada um faz o que pode, de acordo com as limitações. A aula termina com palmas e suor escorrendo no rosto dos capoeiristas.
Há cadeiras espalhadas por toda a sala onde Gilvan aplica a terapia, na QNL 30 de Taguatinga, mas ninguém quer ficar sentado por muito tempo. A aposentada Aliete Lima Liberal, 70 anos, sai cedo de casa e pega dois ônibus para não perder a aula. Ela entrou na capoterapia há oito anos e ganhou ânimo para praticar dança de salão, coral e teatro. “Antes disso, eu não vivia, vegetava. Saía para andar e me perdia, tomava remédio para a coluna. Não foi difícil aprender a capoeira, isso faz é bem.”
Pessoas entre 50 e 90 anos procuram a capoterapia para aliviar a artrite, depressão, pressão alta e outros problemas. Quem quer apenas fazer amigos e praticar uma atividade física também está convidado — os encontros são gratuitos e abertos ao público. “O resultado é importante na qualidade de vida e autoestima. O idoso começa a levantar o braço, tirar o pé do chão e daqui a pouco está no meio da roda”, afirmou Gilvan. Não há idade mínima ou máxima para participar, mas é importante que o aluno faça acompanhamento médico.
Adeus, depressão
O maior desafio do mestre Gilvan não é ensinar os passos da capoeira aos idosos, mas tirá-los de casa. O aposentado Luiz Martins, 70 anos, entrou em depressão depois de sofrer descolamento de retina. Ele perdeu a visão de um olho e enxerga pouco com o outro. As sequelas da artrite dificultavam a locomoção. “Era um sofrimento”, resumiu. Tantos problemas tiraram a vontade de Luiz de sair na rua. Incentivado pela esposa, ele experimentou a capoterapia. “No começo, eu não podia fazer todos os movimentos, mas insisti e deu certo. Isso aqui faz bem para o corpo e a mente”, completou. A convivência com o grupo levou embora a depressão e hoje o aposentado se considera mais alegre e comunicativo. “Agora estou na campanha para trazer mais homens para a aula!”, adiantou Luiz. A iniciativa tem fundamento: a maioria dos capoeiristas é mulher. Quando chega na hora da roda, não tem par para todo mundo e as alunas se juntam para dançar.
Os idosos mantêm o contato até fora do horário de aulas. O grupo organiza viagens pelo Brasil e já passou por cidades do Nordeste, Rio de Janeiro e Goiás. Eles se preparam para o próximo destino: Caldas Novas (GO). As viagens com os amigos são um dos programas mais esperados pela aposentada Sílvia Sales, 63 anos. É a chance de conhecer lugares novos, praticar a capoterapia e dançar muito nas festas. “A gente brinca, ri, fala besteira. É uma alegria! E eu gosto muito de balançar o esqueleto”, disse.
Em uma dessas excursões, a aposentada conquistou o título de melhor dançarina do créu graças à elasticidade adquirida na capoterapia e nas aulas de ginástica. Sílvia não para: faz ginástica às segundas, quartas e sextas-feiras e pratica a terapia baseada na capoeira às terças e quintas. Nem se lembra mais da antiga osteoporose e da dor na coluna que assolavam a vida da aposentada. “Passo o dia todo subindo e descendo a escada lá de casa. Faço qualquer movimento!”, revelou. A ginga da capoeira vem dos trabalhadores escravizados no Brasil. No meio de uma roda, duas pessoas executam golpes no ritmo do berimbau. Em 2008, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) registrou a capoeira como patrimônio cultural imaterial brasileiro. Outras 14 tradições do país possuem o título, como o frevo, a Feira de Caruaru, o queijo minas artesanal e o Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
Agenda
As aulas de capoterapia são gratuitas e abertas ao público. Para participar, basta ir a um dos locais na hora marcada. Se o visitante gostar, ele preenche uma ficha e vira aluno regular.
SEGUNDA-FEIRA
8h — Centro de Saúde 5 de Ceilândia
9h30 — Igreja São Lucas, Águas Lindas
TERÇA-FEIRA
8h — QNL 30, Conjunto A, Lote 31, Taguatinga
8h — Paradão da QNL/QNJ, Taguatinga
QUARTA-FEIRA
7h30 — Praça do Bicalho, Taguatinga
8h — Galpão Bernardo Sayão, M Norte
QUINTA-FEIRA
8h — QNL 30, Conjunto A, Lote 31, Taguatinga
8h — QNA 39, Taguatinga
SEXTA-FEIRA
8h — Policlínica, Taguatinga Centro
10h — Universidade Católica de Brasília, Taguatinga
Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/