Portal Capoeira CAPOEIRA BAIANA: Entre a Militância Cultural e o Fortalecimento Conjuntural Fundamentos da Capoeira

CAPOEIRA BAIANA: Entre a Militância Cultural e o Fortalecimento Conjuntural

CAPOEIRA BAIANA: Entre a Militância Cultural e o Fortalecimento Conjuntural

Por Mestre Jean Pangolin

O movimento da capoeira na Bahia tem se defrontado nos últimos anos com inúmeros desafios, dentre estes, podemos destacar as inúmeras tentativas para interromper o crescimento exponencial da capoeira ”produto”, mercadorizada, espetacularizada e esterilizada de seus princípios norteadores ancestrais. Assim, neste movimento, queremos dialogar com a estratégia de auto-preservação adotada por alguns membros da comunidade soteropolitana, que foi intitulada de “militância cultura”, tentando refletir sobre os avanços e perdas desta perspectiva, diante da conjuntura do modo de produção capitalista e suas ingerências na capoeiragem baiana.

1.1 Historia, Capoeira e Exclusão social.

A análise histórica da capoeira em nosso Brasil nos revela inúmeras contradições na interlocução com o sistema capitalista, refletindo um processo de constantes negociações sociais, com intuito principal de sobreviver contrapondo aquilo que hora apresentava-se como símbolo de exclusão do negro e/ou de sua matriz cultural. Como exemplo podemos citar: A criação da Luta Regional Baiana, o movimento em torno da sistematização da Capoeira Angola, a desportivização da capoeira, dentre outras. Assim, fica fácil perceber o “jogo” sempre realizado entre os agentes sociais e a conjuntura adversa para seguirem lutando por dias melhores.

O “jogo” citado acima sempre foi marcado por resignificações, que pretendiam transformar os símbolos da resistência negra em algo “palatável” ao olhar do branco, fazendo com que algo que parecia subserviência fosse disfarçadamente uma semente para contestação de direitos sociais da comunidade de matriz africana, como no caso do termo “vadiação”, em que “vadiar” virou alegoricamente, para comunidade de capoeira, marca de um bom jogo, com a melhor roupa possível (domingueira), sendo este símbolo mais tarde reconhecido como fundamento da mais alta estirpe de mestres na Bahia.

Conforme citado acima, os exemplos de militância ao longo da historia são muitos, contudo todos eles trazem um elemento em comum, a necessidade de contrapor o sistema, criando alternativas de fulga do processo de exclusão social e reafirmação de princípios da africanidade no Brasil. Assim seguiremos agora dialogando com algumas tentativas mais atuais, organizadas por um coletivo de capoeiras na Bahia, para o enfrentamento contra os ditames do capital.

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1.2 Avanços e Contradições da Militância Cultura Atual.

A abertura política dos anos oitenta possibilitou uma série de avanços no amadurecimento critico da sociedade em geral, mesmo que este ainda não fosse capaz de superar alguns problemas do coletivo mais pobre e sem acesso a informação sistematizada formalmente. Ainda assim, foi possível perceber a ampliação da participação dos capoeiras em movimentos sociais, marchas políticas, partidos, dentre outras, criando uma ambiência mais politizada nas “rodas”, mudando a toada do berimbau e ampliando o senso critico da comunidade. Alguns capoeiras, com mais acesso a educação formal, começam a ler os clássicos do Marxismo e passam a tentar adotar em sua praticas princípios da “esquerda brasileira” e com estes, trazem para as “rodas” um toque “panfletário/partidário” ingênuo e pouco eficaz, pois desconsiderava, em sua retórica a pouca proximidade, da grande maioria da comunidade de capoeira, em relação aos conteúdos formais, desprezando símbolos identitários de matriz africana historicamente constituídos, como: Aprender fazendo, oralidade, ancestralidade, memória, circularidade, dentre outros, em detrimento de uma fala, na maioria dos momentos, rancorosa, de pouca afetividade e conseqüentemente de pouca efetividade transformadora. Não queremos com isso desqualificar o referencial Marxista, ainda que tenha seríssimas críticas ao mesmo, mas sim, ter o bom senso de apresentá-lo a um público com o mínimo de “ferramentas” necessárias para decodificá-lo, emitindo um posicionamento critico, pois caso contrario, estaremos substituindo apenas um processo manipulativo por outro, considerando que esta foi a estratégia histórica da “direita” se perpetuar no poder, pois de acordo ao próprio referencial Marxista, a burguesia se mantem no poder também pelo controle e manipulação das informações veiculadas para classe operaria. Tenho observado graves distorções no campo do que se configurou como “resistência cultural’, pois as alegorias elegidas por alguns membros da comunidade, ao contrario do que estes imaginam, tem reforçado o processo de exclusão e fortalecido o sistema contra os capoeiras, pois existe uma linha tênue entre resistência e a subserviência, considerando todas as armadilhas do capital. Alguns capoeiras, acreditando contestarem o sistema, têm se travestido de miseráveis, isso quando não o são realmente, adotando uma postura rude, trejeitos marginais, pouca higiene corporal, uso de substancias alucinógenas licitas e não licitas, abandono de símbolos culturais historicamente constituídos pelas escolas de Bimba, Pastinha e outros antigos e ainda com um discurso de negação das conquistas de exercício da cidadania, mascarando o sistema que efetivamente tira todos estes direitos humanos. O grande equivoco desta “contestação” reside no fato da mesma não propor uma alteração no processo de exclusão, pois se considerarmos o discurso de que devemos ficar sujos, usar drogas e negar o conhecimento formal constituído, sob a premissa de que isso nos remontaria ao estilo de vida dos mais antigos mestres, estaremos reforçando a exclusão social enfrentada pelos capoeiras e não contestando esta, pois com certeza, a dura realidade enfrentada por nossos ancestrais não foi fruto de suas escolhas, mas sim, falta de opções para uma vida melhor. Assim, ao contrario do que alguns imaginam, este tipo de “militância cultural” apenas tem reforçado os instrumentos de manipulação de massa, reforçando processos de exclusão e marginalização da capoeira.

1.3 Capoeira e Militância: Entre a Alteração de Símbolos e Manutenção das Estruturas.

Nesta parte de nosso texto queremos dialogar com a idéia do pedagogo russo Pistrak, que em seu livro “A escola do trabalho”, nos apresenta a reflexão de que não basta alterar o conteúdo sem modificar a forma estruturante dos mesmos, pois por mais revolucionário que pareça um conteúdo, este precisará, para desenvolver-se criticamente, de um método revolucionário, caso contrario, o conteúdo pouco alterará o processo de recodificação social vigente. Assim fica fácil compreender o tamanho da ingenuidade de quem pensa que o simples fato de mudar o material simbólico das graduações em capoeira pode alterar a conjuntura, ou mesmo, o fato da negação da utilização na indumentária da cor branca ou amarelo e preto Pastinha, pode alterar a estrutura de configuração cultural das escolas de capoeira.

Quando refletimos sobre o exemplo das graduações, considerando o argumento de que, para Bahia, a utilização de cordões seria mais tradicional do que a utilização de cordas, percebemos o grande abismo de falta de informação e estudos sobre o processo histórico das graduações em capoeira, pois, se seguíssemos a lógica do que seria mais “tradicional” em capoeira, salvo as exceções, deveríamos ter como referenciais em uma escala de maior ou menor ancestralidade a partir das seguintes possibilidades: 01 – Ausência de sistema de graduação visível (Títulos de reconhecimento popular exclusivamente)/ Sistema apresentado na obra carioca O.D.C.; 02 – Sistema de graduação da Luta Regional Baiana com lenços de ceda (analogia generalista); 03 – Sistema de graduação Senavox / capoeira estilizada com fitas; 04 – Sistema de graduação por cordas, criado em meados da década de 60; 05 – Sistema de graduação por cordões, criado na década de 70 para vincular a capoeira a federação baiana de pugilismo….. Ufa… E nem falei do sistema de “faixas”…. Rsrsrs. Assim, do ponto de vista histórico, fica fácil perceber o esvaziamento de tese que tenta fundamentar o uso de cordões como símbolo mais tradicional na Bahia, sem contar no despropósito que isso representa quando falamos dos angolas.

Outro aspecto considerável reside no fato de que todos os sistemas de graduação possuem em comum a marca hierarquizadora do currículo de formação em capoeira, sendo estes formatados para adaptar a mesma as necessidades de cada tempo histórico, tendo todos em sua matriz, muitas semelhanças, mesmo estas sendo pouco visíveis a partir do olhar desavisado e despreparado, de foco unicamente nas alegorias que os representam.

Reflexões Provisórias.

    Acreditamos que se firma como fundamental o papel de uma militância cultural em torno de valores e princípios ancestrais de reconhecimento da matriz africana em capoeira, contudo esta precisa reconhecer na diversidade a unidade de sua força, não tentando substituir um paradigma por outro, mas sim valorizando uma multiplicidade de expressões que possam sempre dialogar com aquilo que representa a “raiz” da estrutura fundante da capoeira baiana.

    Sugiro, para alguns dos influenciados pela moda tardia da retórica Marxista, uma reflexão sobre a necessidade de avançarmos propositivamente, criando espaços de convergências e não de divergências, focando na tolerância e respeito às diferenças o braço de “luta” mais forte contra a conjuntura do capital, pois não basta mudar o conteúdo sem alterar a forma estruturante do movimento.

    As armadilhas do sistema são muitas, dividindo os irmãos, elegendo falsos heróis, transformando vitimas em vilões, recriando símbolos esvaziados de real poder de contestação e ainda pulverizando nossas ações de luta contra a industrialização da capoeira Mac-Donald.

    Se este movimento equivocado, frágil e sem referencia, representa a “militância cultural” na Bahia, por favor me INCLUA fora dele.

Iê Viva meu Mestre Câmara.:

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